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Artigo
Cobertura dos planos de saúde no Brasil:
o julgamento do STJ sobre o rol de
procedimentos da ANS
Ainda há insegurança jurídica quanto ao tema e se a natureza taxativa irá perdurar
No último dia 8 de junho, a 2ª Turma do Superior Tribu- (iv) em caso de judicialização, que haja diálogo entre o
nal de Justiça (STJ) concluiu o julgamento da tese e definiu judiciário e entes ou pessoas com expertise técnica na área
que o rol procedimentos e eventos em saúde suplemen- de saúde, incluída com a missão de atualização do rol, sem
tar, definido pela Agência Nacional de Saúde Suplementar deslocamento da competência de julgamento do feito
(ANS), deve ser taxativo (em uma votação por 6 votos con- para Justiça Federal ante a ilegitimidade passiva ad causam
tra 3), com algumas exceções. A tese foi vencedora contra da ANS.
o rol exemplificativo. Os votos vencidos foram da ministra Nancy Andrighi, e
Em primeiro lugar, é relevante entender que a lei dos ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Moura Ribeiro,
9.656/98 estabeleceu a figura do “plano de referência”, para os quais o rol da ANS teria caráter exemplificativo. Nes-
que seria equivalente a um plano com as exigências se caso, o plano de referência da ANS serviria apenas como
mínimas com características definidas pela norma. A lei um exemplo de tratamentos básicos a serem cobertos. Para
delega à ANS a competência normativa para definir a a ministra, que abriu a divergência, a definição do rol como
cobertura mínima relacionada a tal plano de referência, taxativo, com as exceções propostas, levaria a uma situação
que deve ser observada por todos os demais em oferta em que a casuística prevaleceria. Além disso, as operadoras
no país. A ANS, por meio de resolução, periodicamente de saúde teriam o próprio ônus de avaliar a admissão do pe-
atualiza o rol, por meio de uma Comissão Técnica deter- dido de tratamento. Destacou que a lógica da saúde suple-
minada para essa finalidade. mentar não deve se equivaler à da saúde pública.
O entendimento que prevaleceu no STJ foi o do mi-
nistro-relator Luis Felipe Salomão, cujo voto incorporou su- A discussão do tema, apesar de concluída no STJ, não
gestões de exceção apresentadas pelo Ministro Villas-Bôas parece ter se encerrado no ordenamento. Foi ajuizada, em
Cueva. O argumento central do relator é de que o rol taxa- março de 2022, no Supremo Tribunal Federal (STF), ação
tivo tem por objetivo a proteção à segurança jurídica, não direta de inconstitucionalidade (ADI 7088) que questiona
apenas das operadoras, mas também dos beneficiários. dispositivos legais que tratam da amplitude das cobertu-
Com o rol taxativo, as operadoras de saúde não são obriga- ras dos planos de saúde da ANS. Também foram contesta-
das a cumprir tratamentos não previstos em lista. Para ele, a dos dispositivos dos prazos para a conclusão do processo
ausência de certeza quanto ao que deveria ser coberto le- administrativo de atualização do rol de procedimentos e
varia, muitas vezes, a judicializações indiscriminadas - o que eventos em saúde suplementar.
pode elevar custos arcados pela operadora e prejudicar os No legislativo, há projetos de lei em curso na Câmara
usuários como um todo. dos Deputados para fixar o rol como exemplificativo. Tam-
Para garantir o direito à saúde, caso não haja substituto bém há propostas de Decreto Legislativo com o objetivo
terapêutico ou esgotados os procedimentos do rol para de sustar o art. 2º da resolução normativa 465/21 da ANS,
tratamento de alguma doença, é possível que o tratamen- que fixa o rol em vigor atualmente e prevê sua natureza de
to indicado pelo médico seja coberto. Há quatro requisitos taxatividade.
para tanto, mencionados na sessão: A conclusão, no cenário atual, é que ainda há insegu-
(i) o tratamento não pode ter sido indeferido de manei- rança jurídica quanto ao tema e se a natureza taxativa irá
ra expressa pela ANS para ser incorporado ao Rol de Saúde perdurar. Apesar de o julgamento no STJ ter sido concluído
Complementar; no mérito, há espaços para alterações no entendimento.
(ii) que haja comprovação da eficácia do tratamento à Nesse sentido, a atuação do STF e do Poder Legislativo di-
luz da medicina baseada em evidências; tarão o caminho que o tema irá rumar no Brasil.
(iii) que haja recomendação técnica favorável de en-
tidades nacionais ou estrangeiras quanto à utilização do Ana Luíza Calil
tratamento (como, por exemplo, da Comissão Nacional de Fonte: https://www.migalhas.com.br/depeso/368466/cobertura-
Incorporação de Tecnologias no SUS - CONITEC); e dos-planos-de-saude-no-brasil
www.sinpait.org.br 11