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Entrevista

                                                                                                      Foto: Acervo Pessoal
        pecíficas, os trabalhadores têm mais lisura e maior cum-
        primento das normas trabalhistas em geral com melhores
        salários e atividades mais qualificadas, o que elevou muito
        o nível de profissionalismo dos trabalhadores portuários.
        A modernização dos terminais portuários no Brasil tam-
        bém foi um dos grandes fatores responsáveis por tais me-
        lhorias, exigindo um profissional mais técnico e mais bem
        remunerado, tendo assim uma realidade bem distinta e
        distante do trabalhador escravizado.
           A Lei de modernização dos portos, que era da década
        de noventa, foi revogada, sendo mais atual e adequada à
        realidade portuária nacional.  Os programas de aceleração
        do crescimento que contou com consideráveis valores
        durante os períodos de vigência (PAC I 2010 e PAC II em
        2011/14), geraram consideráveis avanços em todo o am-   Secchin: a neoescravidão precisa ser tratada com rigor
        biente portuário, principalmente a constante demanda
        de qualificação da mão-de-obra.
                                                                exemplo do estado do Rio de Janeiro em 2011, Bahia em
        O sr. integrou a Comissão dos Direitos da Pessoa Huma-  2009 e Maranhão em 2007, dentre outros estados. Essas
        na da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência     “ramificações” de fóruns com tratativas para erradicação
        da República. O que foi possível fazer em prol dos direi-  do trabalho escravo permitiu uma maior aproximação
        tos dos trabalhadores?                                  dos governos estaduais com a questão dos direitos hu-
           Um dos grandes avanços desta comissão foi pôr a si-  manos onde o trabalho escravo passou a ser uma das
        tuação do trabalho escravo dentro da agenda do trabalho   espécies desse gênero. Um grande exemplo é o projeto
        decente, de inserção do assunto dentro da política nacio-  “Ação Integrada” do estado do Mato Grosso que visou
        nal de direitos humanos. Dita comissão teve a feliz missão   especificamente a qualificação profissional e novas ocu-
        de agregar todos os atores federais e algumas entidades   pações para os trabalhadores egressos das situações
        que atuavam dentro da temática, a exemplo da Comis-     identificadas com a neoescravidão, fazendo com que
        são Pastoral da Terra – CPT e da Confederação Nacional de   esse trabalhador não mais voltasse a ser escravizado. O
        Agricultura – CNA para se discutir medidas mais eficazes   Rio de Janeiro também adotou algo semelhante, embo-
        para a total erradicação do trabalho escravo. O antigo Gru-  ra voltado para o apoio de proteção como testemunhas
        po Executivo para Repressão ao Trabalho Forçado – GER-  e retorno para os estados de origem.
        TRAF, já não se mostrava mais suficiente para enfrentar as
        questões da neoescravidão em âmbito nacional. O órgão   O que a sociedade pode fazer para minimizar esse
        gestor do GERTRAF, o então Ministério do Trabalho, não   cenário?
        poderia determinar aos outros órgãos de mesmo nível         A primeira coisa é ter conhecimento do que é o traba-
        hierárquico obrigações dentro da estrutura da Adminis-  lho escravo e como ele se desenha. Para isso, todos os ór-
        tração Pública do Poder Executivo Federal. Era necessário   gãos e instituições que tratam da questão dos direitos hu-
        que possuísse não só um nível acima, mas também a mo-   manos devem estar atualizados e alinhados com o tema,
        dificação do tema “trabalho escravo” relacionado ao tra-  de modo a se ter um padrão mínimo de conhecimento a
        balho para ampliá-lo à situação do trabalho decente e da   respeito e a quem recorrer se algum cidadão souber ou vir
        dignidade da pessoa humana. A Comissão conduziu bem     a ser uma vítima de trabalho escravo ou tráfico de pesso-
        essa tendência envolvendo a então Secretaria de Direitos   as, sendo um papel da sociedade também colaborar com
        Humanos ainda ligada ao Ministério da Justiça, mas com   a erradicação do trabalho escravo. Nossa Auditoria Fiscal
        determinação da Presidência da República para essa mi-  do Trabalho possui o sistema Ipê, que é um ambiente vir-
        gração. Tal assertiva culminou com criação da Comissão   tual para comunicação dos casos de trabalho escravo (ht-
        Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo – CONA-   tps://ipe.sit.trabalho.gov.br). A capilarização de atores que
        TRAE, já em 2003, sob a responsabilidade da Presidência   tratam dos direitos humanos é o que a sociedade pode
        da República na Secretaria Especial de Direitos Humanos.   e deve fazer para minimizar o cenário da neoescravidão.
        Atualmente a CONATRAE está ligada ao Ministério da Mu-  Quanto mais atores tratam da questão, mais informações
        lher, Família e Direitos Humanos. O principal efeito para   sobre focos e atividades com presença de trabalho es-
        os trabalhadores foi também para os governos que se     cravo e tráfico de pessoas irão aparecer, o que cria uma
        sucederam  ao  tratarem  a  situação  da  neoescravidão:  a   atmosfera intimidatória para os que se valem de tais prá-
        ampliação da temática para uma agenda de Estado e não   ticas e elucidativa para quem acha ou percebe que pode
        somente para um ou outro governo. Este fato conseguiu   estar sendo vítima da prática. Mas o mais importante é
        trazer para as agendas das Unidades da Federação um en-  a sociedade civil organizada ter a quem recorrer, ter com
        volvimento maior com os fatos da escravidão, tendo sido   quem contar para a comunicação dos casos de práticas
        criadas várias Comissões Estaduais de Trabalho Escravo, a   da neoescravidão e tráfico de pessoas.
                                                                                               www.sinpait.org.br   05
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