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Entrevista



                     Claudio Secchin e a realidade da


                                neoescravidão no Brasil





           Em pleno século 21, a prática da escravidão ainda per-  Em 2010, ele foi transferido para a Superintendên-
        dura no Brasil, e está presente nos mais diversos setores   cia Regional do Trabalho no Rio de Janeiro, onde nas-
        econômicos e até nas residências de classe média e alta   ceu, e atuou em projetos nas áreas de transportes de
        do país. “O brasileiro sente necessidade de humilhar o ou-  cargas e de passageiros, portuária, rural entre outras.
        tro que desempenha uma profissão de menor qualifica-    Atualmente é Coordenador do Projeto de Fiscalização
        ção”, constata o AFT Cláudio Secchin.  Formado em Direi-  do Trabalho Rural da Superintendência Regional do
        to, com especialização em Trabalho Portuário pelo Centro   Trabalho no Estado do Rio de Janeiro (SRTE/RJ).
        de Treinamento da OIT – Turin, Itália, Secchin iniciou na   Experiente  e  realista,  Secchin  acredita  que  a  erra-
        carreira como auditor fiscal em 1996, em Marabá-PA e    dicação do trabalho escravo no Brasil não acontecerá
        hoje detém um vasto e respeitável currículo.            com facilidade nem a curto nem a médio prazo, pois
           Entre as inúmeras atividades, foi Chefe da Divisão   “existem muitas pessoas que ganham dinheiro com o
        para Erradicação do Trabalho Escravo do Departamen-     ciclo da escravidão”. Para ele, minimizar o cenário da
        to de Fiscalização do Trabalho (DEFIT) e Diretor Subs-  neoescravidão no Brasil é um trabalho conjunto do Es-
        tituto do Grupo Executivo para Repressão ao Trabalho    tado, dos empresários, dos órgãos e instituições que
        Forçado (GERTRAF). Também atuou na Comissão dos         cuidam dos direitos humanos e da sociedade.  Nesta
        Direitos  da Pessoa  Humana  da  Secretaria  de Direitos   entrevista, Secchin compartilha um pouco de sua ex-
        Humanos da Presidência da República.                    periência na área. Vale a leitura!




        Qual o cenário do trabalho análogo ao da escravidão     desempenharem atividades de apoio ou de prestação de
        hoje no Brasil?                                         serviços. Revelamos esse comportamento de “Senhorio”,
           Digamos que o cenário atual da escravidão contem-    onde o poder econômico pode estimular que determina-
        porânea no Brasil está ainda presente nos mais diversos   dos empresários, infelizmente, adotem tais posturas.
        setores  econômicos.  Nosso  país  foi  o  último  a  abolir  a   Esses exemplos são molas propulsoras da neoescravi-
        escravidão oficialmente e ainda encontramos as práticas   dão no Brasil. Vendo a situação por uma ótica trabalhista,
        de submissão e exploração em todo o território nacional.   a exploração de trabalhadores que, muitas das vezes são
        Desde a tradicional temática rural, passando por vestuá-  casos de escravidão, ainda é um mecanismo que diminui
        rio, construção civil e produção de alimentos, desaguan-  os custos da produção, principalmente em atividades de
        do mais recentemente em muitas residências de classe    duração determinada, de trabalho a ser ofertado por al-
        média e média alta brasileiras.                         gumas semanas ou meses, como são os casos de safras
                                                                de cebola, maça, café, dentre outras monoculturas onde
        Por que, em pleno século 21, o Brasil ainda se depara   o Brasil tem grande destaque como produtor mundial.
        com esta situação, inclusive nos mais desenvolvidos
        Estados do país?                                                                             Foto: Acervo Pessoal
           Não é uma pergunta fácil de se responder, porém te-
        mos uma cultura de submissão no Brasil. Nossas heran-
        ças escravocratas se manifestam de muitas maneiras, até
        mesmo em questões envolvendo comunidades, onde,
        infelizmente, a população marginal, pelo baixíssimo po-
        der aquisitivo e por sobreviver com subempregos, aca-
        ba por ser submissa a cartéis de traficantes e milicianos
        e à ordem bélica desses segmentos, contando com os
        baixos níveis de educação presentes nessas regiões de
        população de baixa renda. Por outro lado, a necessidade
        de humilhar o outro que desempenha uma profissão de
        menor qualificação também está presente em segmen-
        tos da alta sociedade. Não é raro vermos posturas de al-
        gumas pessoas fazendo questão de pôr alguns cidadãos
        a degraus abaixo de suas posições, simplesmente por     Claudio Secchin: “Temos a cultura da submissão no Brasil”

                                                                                               www.sinpait.org.br   03
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