Page 5 - O Elo - Maio 2022
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A questão do combate às fraudes continua muito pre- -Fiscais do Trabalho na ativa para poder fazer frente a
sente na realidade brasileira, por que isso ocorre ainda? esses desafios que são cada vez maiores.
Infelizmente, o trabalho conjunto com outros opera-
dores do Direito do Trabalho, como o Ministério Público A Auditoria Fiscal do Trabalho tem condições apro-
do Trabalho, a Justiça do Trabalho, a própria Advoca- priadas para fazer as fiscalizações?
cia Trabalhista, não conseguiu erradicar totalmente as Não tem. Com esse número de Auditores-Fiscais na
fraudes. Elas vão mudando de roupagem. Se em 1995, ativa e com o aumento exponencial de denúncias, de
quando eu ingressei na carreira, a principal modalidade ocorrências, das demandas por trabalho de inteligên-
de fraude era a utilização das falsas cooperativas de tra- cia fiscal para identificar as novas formas de exploração,
balho, hoje em dia, elas se revestem, por exemplo, na com a intensa movimentação de mão de obra, inclusive
“uberização”, na “pejotização”, nos contratos simulados de trabalhadores de fora do país para dentro do Brasil,
de fornecimento de mercadorias. Conforme o poder eu não vejo com otimismo essa questão da capacida-
público vai atacando as fraudes, a fraude vai se vestin- de operacional que a Auditoria Fiscal do Trabalho tem
do com outras roupagens, trazendo novo desafios para para fazer frente a esses desafios. Nós estamos vivendo
a Auditoria Fiscal do Trabalho. Então, é praticamente hoje com uma carreira, infelizmente, já envelhecida pela
impossível você falar em eliminação das fraudes, justa- ausência de concursos públicos, pelo cansaço por con-
mente porque o empregador de má índole, de má fé, ta da agrura do trabalho da fiscalização, que não é fácil,
ele sempre vai buscar uma nova roupagem, uma nova não é simples, é um trabalho perigoso, desafiador, com-
simulação, um novo tipo de contrato para esconder plexo, em que nos deparamos, muitas vezes, até mesmo
aquele tipo de exploração, que em nível máximo, pode com ameaças, inclusive à integridade física do Auditor-
levar a situações de exploração de trabalho análogo -Fiscal, principalmente no que diz respeito às ações que
ao de escravo. Os anos de carreira me ensinaram que envolvem trabalho análogo ao de escravo.
sempre atrás de um caso de superexploração da mão
de obra humana, você vai ter um caso de perpetração Como tem sido a relação dos AFTS com a empresas
de fraude, sempre. fiscalizadas?
Esse quadro vem se deteriorando nos últimos anos.
O número de denúncias de trabalho análogo à escra- Eu observo cada vez mais a animosidade com que o Au-
vidão registradas no Ministério Público do Trabalho ditor-Fiscal do trabalho é recebido dentro da esfera da
em 2021, subiu 70% em relação a 2020, chegando a empresa. Se na década de 1990, quando eu ingressei na
1.415, o maior dos últimos seis anos. O país também carreira, existia ainda um respeito maior à presença do
registrou o maior número de resgates de pessoas nes- Auditor-Fiscal no chão de fábrica, hoje em dia eu perce-
ta situação, desde 2013. Foram 1.937 pessoas resga- bo que a reação do empregador vem sendo cada vez
tadas. Esses números correspondem à realidade, ou mais hostil, e em linha máxima, nós observamos, não só
são ainda piores? no estado de São Paulo, mas principalmente em outras
O que nós conseguimos alcançar é a ponta do unidades da federação, reações que chegam às vias da
iceberg. Eu acho que esse fenômeno do aumento de agressão à figura do servidor público investido no cargo
denúncias é um indicador do sucesso do trabalho do de Auditor-Fiscal do Trabalho. São dezenas de casos de
poder público, não só da Auditoria Fiscal do Trabalho, violência verbal, física e moral contra o auditor fiscal do
como dos demais operadores públicos de Direito do trabalho no exercício de suas funções, chegando, infeliz-
Trabalho. Na verdade, esse aumento de denúncias de- mente, ao caso do assassinato dos servidores do Minis-
corre de uma maior publicização do combate ao traba- tério ocorrido em Unaí, Minas Gerais, em 2004. Nós nos
lho análogo ao de escravo, o que faz com que as vítimas, deparamos com hostilidades o tempo todo.
as pessoas que são ofendidas por essa grave lesão aos
direitos humanos, procurem a ajuda do poder público. Depois dos escândalos da Zara, em 2011, da Restoque,
Isso demonstra que o nosso trabalho vem surtindo efei- dona da grife Le Lis Blanc, em 2013, e da M Officer, em
to. No entanto, eu sou muito pessimista em dizer que 2016, não era para a situação do trabalho análogo ao
a situação estrutural, principalmente esse processo de de escravo no Brasil ter melhorado? As empresas não
retirada dos direitos trabalhistas que vimos observando se intimidam com a repercussão negativa?
nos últimos anos, vem favorecendo ainda mais a precari- Com o trabalho de mais de 15 anos, da Auditoria Fis-
zação do trabalho, a dilapidação dos direitos trabalhistas cal do Trabalho, de responsabilização das grandes mar-
conquistados com tanta luta pela classe trabalhadora, cas no setor do vestuário, vimos observando alguma
da qual a Auditoria Fiscal do Trabalho também faz parte. movimentação dessas empresas no sentido de trazer
Eu acho que esse aumento de denúncias e de resgates alguma melhora nas condições de trabalho no “chão de
de trabalhadores em condições de trabalho análogo ao fábrica”, principalmente das oficinas de costuras tercei-
de escravo, na verdade é simplesmente a parte mais vi- rizadas. Mas essa é uma parte do problema. A questão
sível, a parte que nós conseguimos alcançar. E um outro das grandes grifes, das grandes marcas, é uma parte im-
fenômeno que também é triste a gente observar, é a portante, mas não representa o todo do setor de vestu-
diminuição exponencial da mão de obra de Auditores- ário do país. Há toda uma rede de confecções de marcas
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