ERGONOMIA, CRISE SANITÁRIA E HOME OFFICE
Por Maria de Lourdes Moure
UM OLHAR NO CENÁRIO SOB A ÉGIDE DA ERGONOMIA NO PERÍODO DE MARÇO A SETEMBRO DE 2020
A capacidade de compreender o que se passa, aliada a alta transmissibilidade do vírus, desencadeou uma crise total no mundo inteiro, com repercussão em todos os setores, de forma desequilibrada e diversificada. É necessário reconhecer o risco, acreditar que ele pode ocorrer e compreender a diversidade dos riscos agindo de forma preventiva.
Os cientistas levaram apenas duas semanas para identificar o novo corona vírus, sequenciar seu genoma e desenvolver um teste confiável para detectar pessoas infectadas. O desenvolvimento de vacinas está sendo realizado em tempo recorde. O verdadeiro antídoto para epidemias não é a segregação, mas a cooperação (Harari, 2020).
Vários são os ensinamentos que podemos tirar dessa situação ao analisar, por exemplo, como as redes sociais puderam ajudar nessa transição na formação de conceitos, na disseminação e na troca de informações no setor da saúde e nas instituições de ensino.
Temos como desafio construir uma pluralidade de competências para sair da crise que será lenta, longa e difícil, sobretudo para alguns setores, sendo necessário repensar e reestruturar setores como o turismo, a educação, a formação, laser, bares, restaurantes, academias, salões de beleza, a produção industrial. A restrição nos deslocamentos, no tamanho do agrupamento de pessoas, em função do respeito ao distanciamento social, as fronteiras da atividade na sociedade, no trabalho, nas profissões, a solidariedade face às transformações econômicas, tecnológicas sociais e culturais que afetam o trabalho na sociedade merecem reflexão sob a égide da ergonomia.
IMPACTOS DA CRISE SANITÁRIA NO TRABALHO
Num curto espaço de tempo, a crise acelerou e intensificou o emprego da tecnologia digital e da inteligência artificial e como consequência, ocorreram transformações do trabalho, das ocupações, processos e competências.
Alguns desafios se apresentaram no que diz respeito a como trabalhar e gerenciar o trabalho, a como gerenciar e recrutar na era da transformação digital, em como permanecer “empregável”. A restruturação acarretará a destruição de empregos, impactará no recrutamento dos tipos de profissões e carreiras.
IMPACTOS NO DIA A DIA DAS PESSOAS
Nesse cenário de incertezas, houve a quebra na rotina das pessoas, perda da noção do tempo com as restrições na mobilidade dos deslocamentos. Ocorreram limitações do tamanho dos agrupamentos de pessoas para atender o distanciamento social e mitigar a transmissibilidade do vírus. Houve a aceleração do processo de digitalização dos processos de trabalho, aquecimento do e-commerce principalmente remédios e alimentos, além de outros bens de consumo.
TRABALHO EM ESPAÇOS FÍSICOS E REMOTOS EM HOME OFFICE
Nas atividades em que foi possível realizar o trabalho à distância houve a necessidade de se repensar as rotinas, reorganizar o tempo clássico de trabalho, os tempos de pausa, efetuar reajustes das ferramentas para se comunicar coletivamente de forma remota, reorganizar o trabalho, as tarefas e efetuar a tele gestão do tempo de contato e tempo de operação.
Adaptar o espaço de trabalho, compartilhar o espaço domestico com o espaço de trabalho pode ser desfavorável e fatigante do ponto de vista ergonômico. Na pandemia, o dia de trabalho ficou 48 minutos mais longo. O trabalho em home office resultou em muito mais trabalho, segundo um estudo com 3,1 milhões de pessoas em mais de 21.000 empresas em 16 cidades da América do Norte, Europa e Oriente Médio. Os pesquisadores Harvard Business School e da Universidade de Nova York compararam o comportamento dos funcionários durante dois períodos de oito semanas antes e depois das quarentenas da covid-19. As análises dos dados revelaram que as pessoas trabalhavam 3 horas a mais nos Estados Unidos e se conectavam em horários atípicos.
Nos espaços de colaboração presencial, sejam espaços abertos, de uso comum ou multiuso, devem ser respeitados o distanciamento, concentração de pessoas, porte de máscaras e disponibilização de álcool gel, aferição da temperatura de funcionários e usuários e demais medidas conforme o disposto legal.
O IMPACTO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO TRABALHO
A inteligência artificial-AI já alimenta muitos aplicativos e baseia-se na identificação de padrões dentro dos dados, redes neurais (Lee,2018). O emprego da Inteligência Artificial transforma o gerenciamento e as atividades de trabalho tais como: automação de processos para o RH, procedimento bancário, saúde e automotivo, numa realidade do primeiro mundo USA, China, Europa que contam com especialistas e banco de dados, gigantesco Big Data e computadores com capacidade de armazenar e tratar esses dados através de modelos e algoritmos, mas que poderá acarretar desemprego e desocupação nas camadas mais vulneráveis no restante do mundo.
IMPACTOS NEGATIVOS E POSITIVOS NOS DIVERSOS SETORES ECONÔMICOS
Houve uma explosão de desemprego no mundo. Os setores mais afetados negativamente foram o turismo, o laser, o comércio não essencial, a produção automotiva, e a construção.
Com o abalo na cadeia produtiva (parceiros, fornecedores e clientes) houve a necessidade de restruturação rápida em função do consumo e do setor de atividade. Multiplicaram-se os serviços de e-comerce, sobretudo alimentação e farmácia. De forma intermediária, foram afetados a educação e os serviços de formação à distância e informação digitalizada. Houve a necessidade de se criar competências e disseminá-las rapidamente.
A reorganização do trabalho após COVID na indústria, setor de serviços e no escritório é uma oportunidade para repensar o trabalho com particular preocupação no uso dos espaços para preservar a saúde dos ocupantes através de medidas de proteção coletiva, tais como o respeito, distanciamento e consequente diminuição da concentração de trabalhadores durante a jornada de trabalho. Além de medidas de proteção individual como o porte de máscaras especificas para o tipo de atividade.
ERGONOMIA E O FUTURO DO TRABALHO
Em geral, a concepção das atividades é universal. É necessário levar em conta na abordagem, a avaliação e intervenção, as fronteiras culturais, profissões, empresas, instituições e setores profissionais, populações e países ou continentes. Face a essa diversidade, às transformações vividas, às novas formas de organização de trabalho numa sociedade monetizada e globalizada com recursos naturais e energéticos limitados, a prescrição vai além do espaço da empresa, interfere na vida cotidiana, desaparecem atrás de algoritmos. Os limites entre o espaço de trabalho privado se mesclam. Essas evoluções nos oferecem novas oportunidades para pensar nossos modelos de atividades, intervir para conceber e melhorar o exercício da atividade.
A ergonomia organizacional é fundamental para conceber o sistema produtivo eficiente dotado de boas condições de trabalho e visando a otimização da estrutura organizacional de regras e processos de trabalho visando a melhoria contínua.
A análise ergonômica do trabalho é uma ferramenta conceitual e metodológica de grande valia para melhor considerar e avaliar as atividades, considerando a diversidade e complexidade das situações de trabalho para transformá-las face à nova realidade de trabalho e da vida cotidiana. A multidisciplinaridade permite melhor compreender as mudanças no trabalho e as repercussões na saúde e as transformações das atividades induzidas pela difusão da tecnologia digital, levando em conta a diversidade de seres humanos, atividades, culturais e multiculturais. Com espaços de trabalho cada vez mais dispersos a exemplo do co-working, do tele-trabalho em casa, das plataformas digitais, do trabalho por projeto, o arcabouço legal também necessita reformulação, pois essas novas fronteiras têm impacto nas situações de trabalho além do trabalho formal.
A nova dinâmica de vida cotidiana requer a concepção de produtos e serviços em um contexto de inovação tecnológica cada vez mais rápida e que requer conhecimento altamente especializado, plataformas digitais e banco de dados com diferentes impactos nos recursos energéticos e ambientais e nas transformações sociais. É possível aprender de forma continuada online através dos cursos Massive Open Online Course – MOOC.
O objetivo dessa modalidade educacional é disponibilizar livre acesso à educação e ampliar as oportunidades de obtenção de conhecimento em qualquer parte do mundo. As plataformas brasileiras e internacionais foram amplamente disponibilizadas gratuitamente durante a crise sanitária. Democratizar o acesso a esses recursos através de incentivo governamental é primordial para possibilitar a qualificação e inserção de profissionais no mercado de trabalho e assim diminuir a taxa de desemprego e possibilitar melhor qualidade de vida às pessoas.
O aprendizado da Inteligência Artificial é baseado em modelos e algoritmos. A máquina ao contrário do homem não possui consciência (Harari, 2020). Apesar de todos os recursos das plataformas digitais não podemos prescindir de professores na área de ensino, de médicos na área da saúde assim como na área trabalhista não podemos prescindir profissionais da área de legislação, saúde e segurança do trabalho.
A ergonomia é uma ferramenta valiosa que permeia todos esses campos e que permite melhor nortear as transformações vindouras, e dessa forma contribuir para a concepção ou transformação de uma situação futura, favorecendo a cooperação em realidades culturais, técnicas organizacionais diferentes e a revisão dos conceitos após a vacina.