Informação de cerca de 33 mil crianças trabalham com autorização de juízes assume ares de denúncia. Rede de proteção à criança e ao adolescente quer que CNJ baixe resolução proibindo decisões contrárias à legislação
De sexta-feira, 21 de outubro, para cá, desde a publicação de notícia nosite da Agência Brasil, dando conta de que há mais de 33 mil crianças abaixo de 16 anos trabalhando no Brasil sob autorização judicial, o Auditor-Fiscal do Trabalho Luiz Henrique Ramos Lopes, chefe da Divisão de Fiscalização do Trabalho Infantil da Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, tem sido procurado pelos órgãos de imprensa para falar sobre a posição do M T E diante da situação denunciada. A série de reportagens foi repetida em um sem número de sites de instituições e agências de notícias.
A notícia assumiu ares de denúncia. O levantamento foi feito com base em dados oficiais, informados pelos próprios empregadores, nos cadastros do MTE. São crianças que estão no mercado formal de trabalho, com Carteira de Trabalho assinada, em franco desrespeito à legislação, com o aval da própria Justiça. Segundo Luiz Henrique, há juízes que não conhecem a realidade dos locais ou segmentos para os quais estão liberando o trabalho de crianças. Já houve casos em que Auditores-Fiscais do Trabalho encontraram crianças trabalhando sob autorização judicial, registraram a situação em foto e vídeo, levaram ao juiz que deu a autorização e ele revogou a decisão.
Independente dessa situação e de outras com que se depara a fiscalização, o que preocupa é o fato de os juízes autorizarem o trabalho de menores quando há legislação proibindo que isso seja feito. “É descumprimento da lei, pura e simples”, comenta Rosângela Rassy, presidente do Sinait. A Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente que se articula no combate ao trabalho infantil, que inclui o MTE, o Ministério Público do Trabalho, Conselhos Estaduais, Conselhos Tutelares e instituições da sociedade civil, está avaliando quais providências podem ser tomadas além das que já estão em andamento. Uma delas é pressionar o Conselho Nacional de Justiça a baixar uma resolução proibindo decisões judiciais que estejam em desacordo com a lei. Em relação à fiscalização, Luiz Henrique afirma que toda vez que a situação é constatada o Auditor-Fiscal do Trabalho aciona os parceiros da rede e tudo é feito para tentar reverter a autorização.
A seguir, publicamos entrevista com Luiz Henrique Ramos Lopes e reproduzimos as matérias veiculadas pela Agência Brasil.
Entrevista – Luiz Henrique Ramos Lopes
Recentemente foram divulgados os números de autorizações judiciais permitindo que crianças e adolescentes abaixo dos 16 anos trabalhem. Como é feito esse levantamento?
Esse levantamento é feito pelo Ministério do Trabalho e Emprego através da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS). Pelo fato de as crianças e adolescentes em situação de trabalho autorizado pela justiça terem carteira assinada, a RAIS pode ter todas as informações do tipo de trabalho que está sendo executado.
Vale mencionar que esse estudo partiu da própria Fiscalização do Trabalho por uma sugestão do Auditor-Fiscal do Trabalho José Tadeu (MG) que sugeriu que fosse incluída uma nova crítica na RAIS, tornando obrigatório às empresas que inserissem essa informação na declaração da RAIS quando fossem declarar que uma criança ou um adolescente estava trabalhando em sua empresa. Então os próprios empregadores é que incluem essa informação na RAIS e o MTE consegue fazer a extração.
Quais são as repercussões que essas autorizações judiciais podem ter na fiscalização do trabalho?
A informação de que os juízes estão autorizando o trabalho infantil nunca foi e nem nunca será um empecilho para a Auditoria-Fiscal do Trabalho executar as suas fiscalizações. O planejamento das regionais permanece o mesmo e o que sofre mudanças são os encaminhamentos feitos após a constatação de uma situação irregular autorizada por um magistrado.
Diante da autorização, o trabalho da fiscalização deve assumir um enfoque muito maior de articulação e sensibilização da Rede de Proteção e também desses magistrados. Já houve casos em que o Auditor-Fiscal do Trabalho tirou fotos da criança em situação de trabalho e levou ao magistrado que havia autorizado o trabalho e na mesma hora a autorização foi revogada. Isso mostra que muitos magistrados concedem autorizações sem nem saber qual o serviço realizado pela criança ou pelo adolescente. Daí a importância de a fiscalização, ainda que não possa afastar a criança ou o adolescente de imediato, concluir a sua ação fiscal e encontrar outros meios para regularizar a situação.
O que a Secretaria de Inspeção do Trabalho tem feito para diminuir esses números?
A Secretaria de Inspeção do Trabalho, juntamente com outros parceiros da Rede de Proteção, já vem agindo desde o primeiro semestre deste ano tentando impedir que essas autorizações ocorram. Apesar de já ter orientado aos coordenadores de combate ao trabalho infantil de agir pontualmente nos casos concretos que eles encontrarem, o trabalho de articulação e sensibilização dos magistrados deve ser feito de uma forma institucional. Diante disso, esse tema vem sendo pautado nas reuniões da Conaeti (Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil), FNPETI (Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil) e também no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Cumpre ressaltar que o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) já se posicionou contrário às autorizações através da Resolução nº 66, de 18 de maio de 2011.
Qual é o balanço da fiscalização do combate ao trabalho infantil em 2011 – estatísticas, análise qualitativa e quantitativa? Como estão os projetos nas SRTEs nessa área? Houve avanços em relação a 2010? Como é feito o planejamento nesta área – quais dados são levados em conta (IBGE, etc)?
Para o ano de 2011, o governo colocou como uma das metas do Plano Plurianual – PPA a regularização da situação de 10 mil crianças e adolescentes em trabalho infantil pela Fiscalização do Trabalho. Apesar de ser um número pequeno se comparado ao número absoluto de crianças e adolescentes em situação de trabalho, tratava-se de um grande desafio à fiscalização, já que desde 2007 o MTE não consegue atingir esse resultado.
Desde a instalação do IPEC no Brasil em 1992, e com a especialização da fiscalização do trabalho neste tema através dos Núcleos de Combate ao Trabalho Infantil no âmbito das Superintendências, o número absoluto de trabalho infantil reduziu consideravelmente. No entanto, nos últimos anos, essa redução é mais discreta, seguindo também uma tendência mundial na erradicação do trabalho infantil, como mostra o quadro a seguir, com os dados da PNAD:
Portanto, o grande desafio hoje da Fiscalização do Trabalho é encontrar onde estão essas crianças e adolescentes em situação irregular, para que a meta de 10 mil afastamentos seja cumprida. O fato é que por se tratar de uma ação de erradicação, quanto mais perto do nosso objetivo, mais difícil é alcançá-lo. Diante desse desafio, a Fiscalização do Trabalho tem desenvolvido novas práticas e protocolos de fiscalização de modo que o número de crianças e adolescentes alcançados não diminua. Prova disso são os resultados que mostram claramente um grande aumento do número de ações fiscais com o alcance de um número proporcionalmente menor de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil. O gráfico seguinte caracteriza bem essa nova tendência da fiscalização:
*Os dados deste gráfico estão atualizados até setembro de 2011.
Ainda assim, com essas novas estratégicas sendo aplicadas, a Fiscalização do Trabalho já superou, nestes 9 meses, significativamente o resultado dos últimos anos, evidenciando que um planejamento prévio com relação às formas de trabalho infantil e onde estão as crianças e adolescentes em situação de trabalho pode fazer a diferença.
Em quais atividades há maior incidência de trabalho infantil? Há hoje um mapa atualizado do trabalho infantil?
Hoje ainda temos encontrado crianças e adolescentes em quase todos os setores da economia, nas mais diversas atividades. A maioria, no entanto, é encontrada pela fiscalização no comércio ambulante, pelas ruas da cidade, em algumas lanchonetes, e também em oficinas mecânicas e borracharias.
Os dados da fiscalização podem ser acessados no SITI – Sistema de Informações sobre Focos de Trabalho Infantil, disponível no sitehttp://sistemasiti.mte.gov.br. Neste sistema, os dados podem ser conferidos por estados, faixa etária, sexo e por atividade de ocupação.
O que a Fiscalização do Trabalho precisa para atuar de forma mais contundente no combate ao trabalho infantil? Recursos humanos e materiais, parcerias a serem firmadas ou fortalecidas, educação, etc.
Se a própria Constituição Federal prevê que a criança e o adolescente devem ter prioridade absoluta nas políticas públicas, na Fiscalização do Trabalho não pode ser diferente. A partir do momento que todo o corpo fiscal entender a Teoria da Proteção Integral à Criança e ao Adolescente, a fiscalização alcançará resultados ainda melhores do que os apresentados neste ano.
Importante frisar que a erradicação do trabalho infantil enfrenta os desafios inerentes à articulação entre órgãos estatais para cumprir sua missão. Retirar sob ação fiscal criança e adolescente do trabalho é, por si só, em muitos casos, medida pouco efetiva para erradicar o trabalho infantil, uma vez que a insuficiência de renda ou quaisquer outros motivos que tenham levado esses indivíduos a buscar uma ocupação ainda subsistirá. A fiscalização deve agir pari passu com as políticas de transferência de renda e outras políticas de atendimento à criança e ao adolescente, o que requer integração entre a Auditoria-Fiscal do Trabalho e os agentes públicos responsáveis por essas políticas.
21-10-2011 – Agência Brasil INCONSTITUCIONAL – Justiça autoriza mais de 33 mil crianças a trabalhar em lixões, fábricas e obras Alex Rodrigues – Repórter Agência Brasil
Brasília – Juízes e promotores de Justiça de todo país concederam, entre 2005 e 2010, 33.173 mil autorizações de trabalho para crianças e adolescentes menores de 16 anos, contrariando o que prevê a Constituição Federal. O número, fornecido à Agência Brasil pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), equivale a mais de 15 autorizações judiciais diárias para que crianças e adolescentes trabalhem nos mais diversos setores, de lixões a atividades artísticas. O texto constitucional proíbe que menores de 16 anos sejam contratados para qualquer trabalho, exceto como aprendiz, a partir de 14 anos.
Os dados do ministério foram colhidos na Relação Anual de Informações Sociais (Rais). Eles indicam que, apesar dos bons resultados da economia nacional nas últimas décadas, os despachos judiciais autorizando o trabalho infantil aumentaram vertiginosamente em todos os 26 estados e no Distrito Federal. Na soma do período, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina foram as unidades da Federação com maior número de autorizações. A Justiça paulista concedeu 11.295 mil autorizações e a Minas, 3.345 mil.
Segundo o chefe da Divisão de Fiscalização do Trabalho Infantil do MTE, Luiz Henrique Ramos Lopes, embora a maioria dos despachos judiciais permita a adolescentes de 14 e 15 anos trabalhar, a quantidade de autorizações envolvendo crianças mais novas também é “assustadora”. Foram 131 para crianças de 10 anos; 350 para as de 11 anos, 563 para as de 12 e 676 para as de 13 anos. Para Lopes, as autorizações configuram uma “situação ilegal, regularizada pela interpretação pessoal dos magistrados”. Chancelada, em alguns casos, por tribunais de Justiça que recusaram representações do Ministério Público do Trabalho.
“Essas crianças têm carteira assinada, recebem os salários e todos seus benefícios, de forma que o contrato de trabalho é todo regular. Só que, para o Ministério do Trabalho, o fato de uma criança menor de 16 anos estar trabalhando é algo que contraria toda a nossa legislação”, disse Lopes à Agência Brasil. “Estamos fazendo o possível, mas não há previsão para acabarmos com esses números por agora.”
ATIVIDADES INSALUBRES Apesar de a maioria das decisões autorizarem as crianças a trabalhar no comércio ou na prestação de serviços, há casos de empregados em atividades agropecuárias, fabricação de fertilizantes (onde elas têm contato com agrotóxicos), construção civil, oficinas mecânicas e pavimentação de ruas, entre outras. “Há atividades que são proibidas até mesmo para os adolescentes de 16 anos a 18 anos, já que são perigosas ou insalubres e constam na lista de piores formas de trabalho infantil.”
No início do mês, o MPT pediu à Justiça da Paraíba que cancelasse todas as autorizações dadas por um promotor de Justiça da Comarca de Patos. Entre as decisões contestadas, pelo menos duas permitem que adolescentes trabalhem no lixão municipal. Também no começo do mês, o Tribunal de Justiça de São Paulo anulou as autorizações concedidas por um juiz da Vara da Infância e Juventude de Fernandópolis, no interior paulista.
De acordo com o coordenador nacional de Combate à Exploração do Trabalho de Crianças e Adolescentes, procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) Rafael Dias Marques, a maior parte das autorizações é concedida com a justificativa de que os jovens, na maioria das vezes de famílias carentes, precisam trabalhar para ajudar os pais a se manter.
“Essas autorizações representam uma grave lesão do Estado brasileiro aos direitos da criança e do adolescente. Ao conceder as autorizações, o Estado está incentivando [os jovens a trabalhar]. Isso representa não só uma violação à Constituição, mas também às convenções internacionais das quais o país é signatário”, disse o procurador à Agência Brasil.
Marques garante que as autorizações, que ele considera inconstitucionais, prejudicam o trabalho dos fiscais e procuradores do Trabalho. “Os fiscais ficam de mãos atadas, porque, nesses casos, ao se deparar com uma criança ou com um adolescente menor de 16 anos trabalhando, ele é impedido de multar a empresa devido à autorização judicial.”
Procurado pela Agência Brasil, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) não se manifestou sobre o assunto até a publicação da matéria.
21-10-2011 – Agência Brasil Juízes que autorizam trabalho infantil ignoram realidade, diz chefe da Fiscalização do Ministério do Trabalho Alex Rodrigues – Repórter Agência Brasil
Brasília – Os juízes estão expedindo autorizações sem saber o que realmente está acontecendo com as crianças, diz o chefe da Divisão de Fiscalização do Trabalho Infantil do Ministério do Trabalho, Luiz Henrique Ramos Lopes. Procurado pela Agência Brasil para falar sobre as mais de 33 mil autorizações de trabalho concedidas pela Justiça para crianças a partir de 10 anos, entre 2005 e 2010, Lopes é categórico: “É uma situação ilegal que afronta à Constituição e regularizada apenas pela opinião dos magistrados”. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Agência Brasil – Como o Ministério do Trabalho e Emprego avalia as autorizações de trabalho que juízes e promotores concederam a crianças com 10 anos ou mais? Luiz Henrique Ramos Lopes – É uma afronta ao que a Constituição Federal estabelece em termos de proteção integral à criança e ao adolescente. A legislação é muito clara: o trabalho é proibido para quem tem menos de 16 anos, com exceção dos menores aprendizes. É preocupante quando vemos um juiz, um magistrado dar uma autorização para que uma criança e um adolescente comece a trabalhar a partir dos 10 anos, com a justificativa de que sua família é pobre e, portanto, não tem condições de se sustentar. Isso é transferir para a criança a responsabilidade por cuidar da família.
ABr – Para o Ministério do Trabalho, as autorizações judiciais têm amparo legal? Lopes – Não. Para o ministério não tem. A Emenda Constitucional nº 20, que elevou a idade mínima para o trabalho de 14 anos para os 16 anos, está em vigor desde 1988 e, embora muitos juízes a considerem inconstitucional por ferir a cláusula pétrea que prevê o direito ao trabalho, não há qualquer declaração de que ela seja inconstitucional. As autorizações, portanto, são ilegais.
ABr – O que o Ministério do Trabalho tem feito para reverter a situação e sensibilizar juízes e promotores? Lopes – O combate e a erradicação do trabalho infantil nunca estiveram ligados unicamente à fiscalização. Por isso, agimos articuladamente com outras instâncias de governo. No caso dessas autorizações judiciais, a rede de proteção está se mobilizando. Temos ido ao Conselho Nacional de Justiça [CNJ] e ao Conselho Nacional do Ministério Público [CNMP] para que haja uma posição vinda de cima para orientar os magistrados e promotores. Se o CNJ entender que as autorizações são ilegais e expedir resoluções [contra isso] nos ajudará muito.
ABr – Que prejuízos as autorizações trazem às crianças? Lopes – A maior parte das atividades em que elas se encontram é insalubre até mesmo para os adultos e causa um prejuízo muito grande às crianças, porque elas são muito mais suscetíveis a doenças ocupacionais e a acidentes de trabalho.
ABr – Isso também traz prejuízo à atuação dos fiscais do trabalho? Lopes – O impacto para a fiscalização é que ficamos de mãos atadas. Quando um fiscal chega a um local e verifica uma situação irregular, ele tem que afastá-la dessa situação. Diante de uma autorização judicial, não podemos agir. Já houve casos em que tiramos fotos da situação irregular para apresentá-la ao juiz que autorizou a criança a trabalhar. Ao ver quanto o local era insalubre e prejudicial à criança, o juiz disse não ter autorizado aquilo. Vemos que juízes estão dando autorizações aos patrões sem saber o que está acontecendo com as crianças.
ABr – Há alguma explicação para o crescimento do número de autorizações expedidas durante um período em que a economia nacional cresceu? Lopes – Não há uma explicação técnica para isso, mas, de qualquer forma, os estados das regiões Sul e Sudeste são os que apresentam o maior número de casos. O aumento é constante e nos preocupa, principalmente porque não é um problema localizado, mas que atinge todas as unidades da Federação.
21-102-2011 – Agência Brasil Autorização de trabalho é uma grave lesão do Estado aos direitos da criança e do adolescente, diz procurador Alex Rodrigues – Repórter Agência Brasil
Brasília – Coordenador nacional de Combate à Exploração do Trabalho de Crianças e Adolescentes, o procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) Rafael Dias Marques diz que as mais de 33 mil autorizações concedidas por juízes e promotores para que crianças a partir de 10 anos trabalhem é um atentado que o Estado brasileiro comete contra os direitos da infância e adolescência. A seguir, os principais trechos da entrevista de Marques à Agência Brasil.
Agência Brasil – Como o Ministério Público do Trabalho vê as autorizações de trabalho concedidas por juízes e promotores para crianças a partir de 10 anos? Rafael Dias Marques – A Constituição Federal é clara. Ela proíbe o trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos. Entre os 14 anos e 16 anos, o trabalho só é permitido na condição de aprendiz. Portanto, as autorizações são inconstitucionais e representam uma grave lesão aos direitos fundamentais de crianças e adolescentes.
ABr – Há alguma brecha legal que possibilite a concessão das autorizações? Marques – Para o Ministério Público, o texto constitucional é claro e não há brechas. No caso de atividades artísticas, há uma convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que estabelece que, observadas certas condições, é possível admitir exceções. Nos demais casos, contudo, o que ocorre é que a interpretação dos juízes [sobre a Constituição] acaba permitindo a concessão da autorização.
ABr – Como eles justificam as decisões? Marques – Os juízes argumentam que as crianças e adolescentes têm direito à alimentação e à sobrevivência. Alegam também que os menores, na maioria dos casos pertencentes a famílias pobres e incapazes de prover sua subsistência, devem ser autorizados a trabalhar.
ABr – Qual a posição do MPT sobre isso? Marques – Ele nos parece totalmente equivocado. É lamentável que aquilo que parece óbvio quando se lê a Constituição Federal não seja assim tão óbvio para alguns juízes e promotores. Para os órgãos de defesa da infância e da juventude, se uma família não é capaz de prover a subsistência de seus membros, cabe ao Estado assisti-la por meio de programas sociais de geração de emprego e renda. As autorizações de trabalho concedidas com o argumento de remediar a pobreza representam uma grave lesão do Estado brasileiro aos direitos da criança e do adolescente. O Estado está incentivando [os jovens a trabalhar] e isso representa não só uma violação à Constituição Federal, mas também às convenções internacionais das quais o país é signatário
ABr – Há setores da sociedade que aceitam o argumento de que é preferível uma criança ou adolescente carente estar trabalhando, mesmo que em condições precárias ou insalubres, do que estar ociosa. Como convencê-los de que essa situação é irregular e perigosa? Marques – Basta analisarmos os números e os dados reais. Mais de 90% dos presos do Carandiru disseram em uma pesquisa que começaram a trabalhar precocemente. Se a alegação de que o trabalho infantil afasta os jovens da criminalidade fosse verdadeira, o percentual não seria esse. O argumento é altamente excludente. A partir do momento em que a sociedade pensa que a única saída para a criança pobre é o trabalho, está perpetuando o ciclo de discriminação e se acomoda, deixando de cobrar do Estado uma política de infância e juventude mais ampla e inclusiva. O trabalho precoce provoca prejuízos irreversíveis à saúde da criança e do adolescente, atentando contra seu desenvolvimento.
ABr – O que o Ministério Público tem feito para reverter esse quadro? Marques – Politicamente, temos provocado o Conselho Nacional de Justiça [CNJ] e o Conselho Nacional do Ministério Público [CNP], órgãos de controle da magistratura e dos promotores, para que disciplinem a questão. O CNP já expediu uma resolução nesse sentido [Resolução 66/2008]. Em relação ao CNJ, ainda estamos em processo de articulação. Outra forma de atuarmos é apresentando recursos para tentar cassar as autorizações. Infelizmente, às vezes, as instâncias superiores chancelam as autorizações. Por isso, queremos uma resolução do CNJ que norteie o assunto.
ABr – Os juízes e promotores que concedem as autorizações podem ser punidos? Marques – Infelizmente, o sistema jurídico não prevê punição para os membros do Judiciário nesses casos, mas apenas a reversão das decisões.
25-10-2011 – Agência Brasil Para secretária, desigualdades regionais não justificam exploração do trabalho infantil Daniella Jinkings – Repórter da Agência Brasil
Brasília – O número de autorizações judiciais expedidas nas regiões Sul e Sudeste para liberar o trabalho de crianças e adolescentes menores de 16 anos mostra que o problema do trabalho infantil não pode ser justificado pela desigualdade regional, segundo a secretária nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, Carmen Oliveira.
De 2005 a 2010, juízes e promotores concederam 33.173 mil autorizações de trabalho para crianças e adolescentes menores de 16 anos. Na soma do período, São Paulo, Minas Gerais, o Rio Grande do Sul, o Paraná e Santa Catarina foram as unidades da Federação com o maior número de autorizações. A Justiça paulista concedeu 11.295 mil autorizações e a de Minas, 3.345 mil.
Segundo Carmen Oliveira, essa situação crítica não ocorre apenas em estados que têm Produto Interno Bruto (PIB) e taxas de crescimento menores do que no resto do país. “Parece que essa situação refere-se mais a prejuízos para as crianças e os adolescentes do que a vantagens que a família e os empregadores possam ter”.
O texto constitucional proíbe que menores de 16 anos sejam contratados para qualquer trabalho, exceto como aprendiz, a partir de 14 anos. Contratos especiais estão previstos na Lei da Aprendizagem. De acordo com Carmen, a maioria dos contratos formais de trabalho que têm sido estabelecidos pelas autoridades judiciais está à margem da lei. “Parece que isso está sendo motivado pela busca por mão de obra mais barata, mais submissa e não sindicalizada”.
Para que um adolescente trabalhe como aprendiz, ele deve permanecer na escola e ser acompanhado durante o período em que está empregado. No entanto, não há fiscalização para verificar se crianças e adolescentes que não podem ser aprendizes estão exercendo alguma atividade profissional. “Não temos nenhuma condição de fiscalizar, porque o preenchimento da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) não oferece um dado que permita verificar a continuidade do comparecimento à escola. No contrato especial de trabalho, pela Lei de Aprendizagem, isso é um pré-requisito”, explicou a secretária.
Segundo ela, o Ministério do Trabalho e Emprego pediu ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que se posicione sobre as denúncias. O tema também será tratado durante reunião da Secretaria de Direitos Humanos na próxima semana. “Seria importante o CNJ se manifestar publicamente sobre isso”. A secretária acredita que o ingresso precoce de crianças e adolescentes no mercado de trabalho não previne a criminalidade e o consumo de drogas. “A melhor prevenção se dá na melhoria da qualidade de vida das crianças e adolescentes, especialmente na sua inclusão nas políticas públicas e na maior oferta de oportunidades educativas”.
Carmen defende ainda que as empresas usem mais o trabalho dos adolescentes aprendizes. Segundo ela, ainda há muitas vagas que poderiam ser preenchidas, no entanto não há movimentos de expansão por parte do empresariado brasileiro. “É lastimável, pois, por um lado, temos adolescentes que desejariam ingressar no mercado de trabalho. Por outro, é importante que haja um debate dentro do próprio sistema de Justiça”. |
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