Os trabalhadores de carvoaria estão inseridos totalmente na atividade-fim das siderúrgicas produtoras de ferro gusa, posto que estas tem a necessidade vital do carvão vegetal, não se tratando apenas de insumo de produção.
Portanto, não há que falar em simples relação entre as carvoarias e as siderúrgicas como sendo de oferta e procura, até porque nesses casos existe a ingerência direta das siderúrgicas na produção do carvão e, se assim é, não se pode acolher a tese de que o vínculo de emprego se forma com o dono da carvoaria, porque caracterizada está a hipótese de intermediação ilegal de mão-de-obra (empresa interposta), prevista no inciso I, da Súmula n. 331, do C. TST, o que torna a tomadora de serviços a verdadeira empregadora.
1. RELATÓRIO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Ordinário, oriundos da MM 1ª Vara do Trabalho de Marabá, em que é parte, como recorrente, SIDERÚRGICA DO MARANHÃO e, como recorrido, MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. O Ministério Público do Trabalho impetrou Ação Civil Coletiva contra SIDERÚRGICA DO MARANHÃO S.A. – SIMASA, LUIZ CRUZ DE ALMEIDA, PEDRO CRUZ DE ALMEIDA e ROBERTO CARDOSO DA SILVA, com pedido liminar inaudita altera pars, relatando em sua exordial que por ocasião de inspeção realizada por auditores fiscais do trabalho no dia 09 e 10 de março de 2006, acompanhados pelo membro do MPT e policiais federais, 13 (treze) trabalhadores foram encontrados submetidos à situação de evidente exploração e em condição análoga a de escravo, em carvoaria instalada em uma fazenda de propriedade conjunta do segundo e do terceiro réus, que é administrada pelo quarto réu, contudo, em proveito da primeira reclamada, que é beneficiária do carvão produzido.
Tendo em vista as péssimas condições de trabalho e da impossibilidade de permanência dos trabalhadores em atividade, determinou-se a cessação dos trabalho. Observa que buscou-se entendimento com o intermediador, Sr. Roberto Cardoso da Silva, quando constatou-se que o mesmo não dispõe de qualquer condição financeira para providenciar a retirada dos obreiros do local e o pagamento das verbas que lhe são devidas. Ato contínuo, buscou a equipe contato com a Siderúrgica SIMASA, deslocando-se até Açailândia – MA, obtendo da empresa a negativa na assunção da condição de real empregadora dos trabalhadores, escusando-se de qualquer responsabilidade para com os mesmos, atribuindo-a ao que denomina “produtor”.
Aduz que, diante da situação grave em que se encontravam os trabalhadores e das condições mínimas de dignidade e, ainda, a urgência em providenciar pelo menos o pagamento das verbas rescisórias para que pudessem fazer frente as suas necessidades mais prementes, não houve outra alternativa senão recorrer ao Judiciário.
Neste contexto, assevera que é parte legítima para propor a presente ação, nos termos do que dispõem os arts. 127 e 129, III e IX, da Constituição Federal e 81, parágrafo único, III e 91, ambos da Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor). Neste patamar, cita, ainda, a Lei n. 75/93 (LOMPU), art. 84 c/c art. 6º, VIII, “a” e “d” e XII. Menciona a Súmula n. 331, do .C TST, salientando que no presente caso houve a intermediação ilegal, pois não se trata de trabalho temporário, regularizado pela Lei n. 6.019/74, de prestação de serviços de vigilância (Lei n. 7.102/83), de prestação de serviços de conservação e limpeza e, por fim da prestação de serviços ligados à atividade-meio do tomador de serviços, verificando-se, assim, a ilegalidade na prestação de serviços, devendo o vínculo de emprego formar-se diretamente dom o tomador a mão-de-obra.
Transcreve diversos depoimentos prestados ao membro do MPT, sobre o assunto, concluindo pela total ingerência da SIDERÚRGICA DO MARANHÃO – SIMASA no processo produtivo de carvão, inclusive, sobre os trabalhadores utilizados nesse processo, muito embora haja a tentativa de camuflagem ardilmente engendrada, tentando induzir a uma suposta ou aparente formalização dos vínculos de emprego dos obreiros com terceiros, o que levou os Auditores Fiscais a consignarem o Auto de Infração.
Disse, também, o órgão ministerial que as condições geais de trabalho eram aviltantes violando a dignidade dos que se encontravam envolvidos nessa atividade laboral, seja como pessoa, seja na condição de trabalhador, o que deve ensejar dano moral. Postulou o Ministério Público Federal o que consta das fls. 34-37. Às fls. 150-160 consta despacho relativo ao deferimento da liminar requerida, tendo o MM juízo de primeiro grau, determinado, em síntese, o bloqueio através do sistema SIABACEN, de dinheiro nas referidas contas bancárias em nome dos requeridos até o valor de R$104.665,34 (cento e quatro mil, seiscentos e sessenta e cinco reais e trinta e quatro centavos), a fim de assegurar o integral pagamento dos direitos trabalhistas dos substituídos. Às fls. 180-183 consta termo de audiência, onde as partes conciliaram as verbas rescisórias, um terço de horas extraordinárias do adicional respectivo e um mil reais a título de indenização por dano moral, ressaltando-se que o feito prosseguiu apenas no tocante ao pedido relativo à licitude ou não da terceirização. Foi determinado o desbloqueio das contas dos reclamados.
A reclamada SIMASA apresentou contestação escrita, conforme se verifica às fls.215-291. O MM juízo proferiu sentença, nos termos do que se encontram às fls. 1.904- 1927. A reclamada SIMASA, inconformada com a r. sentença, interpôs recurso ordinário, fls. 1.930-1997.
O Ministério Público do Trabalho apresentou contra-razões, as quais se encontram às fls. 2.000-2024. Os presentes autos foram remetidos ao Ministério Público do Trabalho, o qual ratificou todos os argumentos expendidos na inicial e demais intervenções feitas, bem como ratificou os argumentos contidos nas contra-razões, conforme consta à fl. 2.028.
2. FUNDAMENTOS
2.1 CONHECIMENTO
Conheço do recurso ordinário, uma vez que adequado, tempestivo (fls. 1.928 e 1.930), subscrito por advogado habilitado nos autos (fl. 171), tendo sido efetuado o pagamento do depósito recursal e o recolhimento das custas, conforme fl. 1.998.
2.2 DAS QUESTÕES PRELIMINARES
2.2.1 DE ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO PARA PROMOVER AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA PAGAMENTO DE DANO MORAL, VERBAS TRABALHISTAS E DIREITOS RESCISÓRIOS
Em síntese, a recorrente alega que o Ministério Público do trabalho não é parte legítima para promover a presente Ação Civil Pública para postular pagamento de indenização por dano moral, verbas trabalhistas e direitos rescisórios, porquanto não se trata de interesses coletivos emanados de garantia constitucional, mas sim de dissídio individual com vista à aplicação da legislação em vigor, que não tem natureza coletiva. Transcreve farta jurisprudência e outrina em favor de sua tese.
Alega a recorrente que a preliminar em destaque diz respeito à condição da ação e sendo esta matéria de ordem pública, deve ser apreciada de ofício pelo órgão judiciário, a qualquer tempo e grau de jurisdição, razão porque diz remeter a esse nobre colegiado as razões da preliminar expostas por ela na contestação. Analisemos.
Destaco que o Ministério Público, a fim de cumprir a sua função institucional, prevista constitucionalmente no art. 129 da atual Carta Magna, propôs a presente ação civil pública, visando a proteção do patrimônio público e social, bem como dos interesses coletivos, pois entende possuir legitimidade ativa para residir em juízo, vez que trata-se de legitimação concorrente do Sindicato e do Ministério Público do Trabalho, sendo que o que distingue esta atuação é o prisma sobre o qual os interesses coletivos são defendidos, conforme art. 8º, III, CF/88 e art. 127 e 129, III, do mesmo diploma legal.
Como já mencionei alhures, a Constituição confere ao Parquet a tutela dos interesses individuais indisponíveis (art. 127), o que significa dizer, que não está no âmbito das suas atribuições, a defesa de interesses, cuja tutela, cada indivíduo tem a aptidão de dispensar, pois ao Órgão Ministerial é vedado que substitua a intenção volitiva do indivíduo no que toca a direitos dos quais tenha a total disponibilidade.
Partindo desta premissa, verifico que o Órgão Ministerial tem total legitimidade para propor a presente ação, pois, como bem ressaltado pelo MM juízo de primeiro grau, a medida trata de Ação Civil Coletiva e tem escopo no art. 91 e seguintes da Lei n. 8.078/90 relativa ao Código de Defesa do Consumidor. De mais disso, o Ministério Público tem expressa legitimidade, nos termos do que dispõe o inciso I do art. 82 do referido Código de Defesa do Consumidor c/c com a Lei Complementar n. 75/93, em seu inciso XII, art. 6º e art. 84.
Entendo que o Parquet, pode e deve fazer uso das prerrogativas que lhe são asseguradas constitucionalmente, o que não impede que cada prejudicado venha, individualmente, buscar a proteção de seu direito, sendo certo que, na presente hipótese houve o desrespeito aos direitos sociais constitucionalmente garantidos.
No tocante a esta questão da legitimidade do Ministério Público do Trabalho em busca da defesa dos interesses individuais homogêneos, vale destacar as lições do Procurador do Trabalho Raimundo Simão de Melo, na obra “Ação Civil Pública na Justiça do trabalho”, ed. LTr, p. 34, assim preleciona: (…) qualquer ato do empregador capaz de provocar lesão de forma coletivizada aos trabalhadores constitui direito homogêneo e permite a defesa coletiva porque, embora cada um possa, em tese, defender seu direito, este, por ser decorrente de uma origem comum, pode e deve ser defendido também de forma coletiva. Aqui, não é o interesse que se classifica como coletivo; coletiva é a forma de sua defesa em nome do interesse social maior na proteção e efetivação dos direitos trabalhistas violados.
Cumpre destacar, que após a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Ministério Público foi elevado como órgão essencial às funções jurisdicionais do Estado, sendo a ele atribuída a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, o que nos leva a concluir que, ao tutelar os direitos elencados no art. 7º da Carta Magna ele atua, também, na defesa dos direitos e garantias fundamentais conferidas aos cidadãos.
Vejo que os direitos dos reclamantes que foram violados, referem-se àqueles individual homogêneo, ou seja, àquele que tem origem comum e interessa a uma coletividade que, na presente hipótese, materializa-se como sendo a classe de trabalhadores. Logo, o Parquet está autorizado a ingressar com a Ação Civil Coletiva, com a finalidade de postular a reparação do dano sofrido pela classe.
Assim, levando-se em consideração que a definição acerca do que seja o interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo, decorre da própria pretensão formulada, entendo que o pedido inserto na inicial, em que é possível a identificação daqueles que estão sendo lesados em seus direitos, portanto, passível de tutela mediante a iniciativa do autor, principalmente porque se traduz em direito individual homogêneo.
Repisa-se, no caso particularizado do Ministério Público do Trabalho o que deve ser buscado na ação, não é só a defesa dos interesses dos empregados, as, os decorrentes da afetação homogênea, como de caráter social e ainda daqueles qualificados como de interesse difuso, posto decorrem de origem comum, originários dos postulados constitucionais e das normas celetistas.
Neste contexto é que concluo que a pretensão formulada na exordial, onde fora relatado o labor em condições de escravidão em total desrespeito à dignidade humana, com a violação de valores sociais e trabalhistas de um grupo de trabalhadores, legitima Parquet.
Por tais fundamentos, rejeito a presente preliminar, para manter a r. decisão quanto a este aspecto.
2.2.2 DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA RECORRENTE (1ª REQUERIDA)
Assevera a recorrente que, da análise das provas carreadas aos autos, não há qualquer embasamento factual ou legal para o reconhecimento da sua responsabilidade solidária pelas obrigações derivadas do contrato de trabalho mantido entre a empresa do Sr. Gilson Rocha de Almeida e os seus empregados como deseja o Ministério Público do Trabalho, nem para o reconhecimento da elação de emprego entre a recorrente e os trabalhadores substituídos. Vejamos.
Entendo que a presente preliminar diz respeito à matéria que se confunde com o mérito, pelo que, reservo-me a examiná-la oportunamente.
Rejeito.
2.2.3 DE INÉPCIA DA INICIAL
Argüi, também, a recorrente, a questão preliminar de inépcia da inicial, requerendo o indeferimento da inicial nos termos do art. 295, I e IV do CPC. Neste sentido, aduz que o autor não observou os requisitos essenciais à propositura da ação, porquanto as alegações ali expendidas dizem respeito à ingerência da SIMASA no processo produtivo de carvão vegetal, asseverando a existência de terceirização ilícita, posto que a contratação se verificava mediante pessoas alcunhadas de “gatos”, fazendo incluir no pólo passivo da demanda, ainda, outros requeridos, Srs: LUIZ CRUZ DE ALMEIDA, PEDRO CRUZ DE ALMEIDA e ROBERTO CARDOSO DA SILVA), sendo certo que, quanto a estes, não especificou o Ministério Público qual a responsabilidade de cada um desses, quais as atitudes ilícitas dos mesmos, estando assim demonstrada a inexistência de fundamentação coesa. Prossegue, afirmando que em audiência preliminar o órgão ministerial requereu a desistência da ação em relação ao requerido Luiz Cruz de Almeida, obstaculizando a plena defesa, o que afronta o princípio do contraditório, além do que, os pedidos são confusos e sem especificação, apresentando fundamentação genérica, na medida em que requer o reconhecimento do liame laboral com a ora recorrente e, ao mesmo tempo, pede a sua condenação solidária com os demais reclamados.
Diz, também, que a petição inicial não veio acompanhada dos documentos essenciais, indispensáveis à propositura da ação, pelo que deve a exordial ser indeferida, a teor do inciso I do art. 267, art. 295, VI c/c art. 282, VI, todos do CPC.
Analisemos.
A petição inicial significa uma peça escrita do autor, a fim de provocar a tutela jurisdicional, dirigida ao Juiz, órgão que representa o Poder Judiciário nesta função de compor os conflitos em interesse.
Os requisitos da petição inicial estão previstos no artigo 282 do CPC e de acordo com a processualista do código, estes se classificam em internos e externos.
Os requisitos externos, que são os pertinentes quanto à forma escrita, datada e assinada pelo procurador, estes foram cumpridos. Os requisitos internos, são de duas ordens, um referente ao processo e outro ao mérito, constituindo o próprio libelo. Quanto aos requisitos internos relativos ao processo, previstos nos incisos V, II, VI e VII, do artigo 292, do CPC, também, foram cumpridos pela demandante.
No tocante aos requisitos internos, referentes ao mérito, que são os previstos nos incisos II e IV, do artigo 282 do Código de Processo Civil, é que vamos analisar se, realmente, a reclamante preencheu em sua peça exordial. Dentre os requisitos expostos, vale ressaltar a importância do fato e dos fundamentos jurídicos do pedido, pois se estes não estiverem bem expostos, acarretará a inépcia da inicial, revista no artigo 295, parágrafo único do diploma legal multicitado.
Na Justiça do Trabalho, o Juízo não emprega o rigor técnico processualista civil, quanto ao exame dos requisitos da petição inicial, haja vista o jus postulandi, que ainda continua em pleno vigor, onde o reclamante tem acesso ao Poder Judiciário, independente de assistência de advogado, daí porque certos pedidos encontram-se, às vezes, confusos e indeterminados, mas importa destacar que não é a hipótese dos autos, pois o Ministério Público do Trabalho deduziu os pedidos de forma clara e explícita e, ao contrário do que diz a reclamada, não vislumbro no pedido em questão, a falta de clareza alegada, resultando na dificuldade da parte adversária se defender.
Contrariamente a essas alegações, verifico que a reclamada ao contestar, o fez de forma que não lhe trouxe qualquer prejuízo, aliás, o fez com bastante propriedade.
Ademais, a petição inicial está de acordo com o art. 840 Consolidado, que assim dispõe:
Art. 840 – A reclamação poderá ser escrita ou verbal.
§ 1º – Sendo escrita, a reclamação deverá conter a designação do Presidente da Junta, ou do juiz de direito a quem for dirigida, a qualificação do reclamante e do reclamado, uma breve exposição dos fatos de que resulte o dissídio, o pedido, a data e a assinatura do reclamante ou de seu representante.
À parte cabe o direito de postular o que entende de direito, previsto no ordenamento jurídico pátrio e, com base na produção dos fatos e provas, ao Juiz é conferido o poder de proferir decisão com base no que entender mais justo, em consonância com o princípio do livre convencimento, art. 131, também do CPC.
Não vejo na petição inicial qualquer confusão na causa de pedir e no pedido, tendo o Parquet delineado de forma clara o que pretende e postula, especificando a responsabilidade de cada reclamado e a sua conduta em relação à situação descrita na peça inicial.
Assim, não vislumbro, da simples leitura da petição inicial, que a mesma encontra-se inepta, posto que preenchidos todos os requisitos dos arts. 840, da CLT e 282, da lei processual civil.
Por tais fundamentos, rejeito a presente questão preliminar.
2.3 MÉRITO
2.3.1 DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO
Requer a reforma da r. sentença, que declarou a existência do vínculo de emprego com a recorrente. Neste sentido, pretende fazer valer o TAC – Termo de Ajuste de Conduta juntado aos autos, vez que, possui o mesmo teor do TAC ajustado para aplicação no Estado do Maranhão, que visa a proteção dos direitos dos trabalhadores das carvoarias e, por outro lado, define o produtor de carvão como empregador originário dos trabalhadores nas carvoarias, considerando as siderúrgicas como beneficiário indireto, cabendo- lhe a responsabilidade subsidiária das obrigações trabalhistas para com seus empregados.
Acrescenta que não houve qualquer ato motivador para a desejada vinculação empregatícia dos trabalhadores substituídos para com a recorrente, conforme dispõem os arts. 2º e 3º, ambos da CLT, sendo certo que os produtores de carvão procediam à admissão e dispensa sem qualquer ingerência da recorrente.
Neste patamar, aponta vários fatores que não poderiam ser levados em consideração para a configuração da relação de emprego entre a recorrente e os substituídos, na medida em que existe TAC do Ministério Público do Trabalho, firmando alguns ajustes, como a viabilização para a construção de fornos em terra de terceiros, fornecimento de EPI’s, viabilização da construção de alojamentos, controle da produção com a presença física de funcionários da SIMASA, onde se vê a ingerência das siderúrgicas no campo de atuação dos produtores de carvão.
Salienta que a inidoneidade dos produtores de carvão não pode emergir sem a devida comprovação, pelo que não poderia a recorrente ser condenada de forma subsidiária, na medida em que aqueles são possuidores de bens.
Nesta esteira, observa que o real empregador é o Sr. Gilson Rocha de Almeida, filho do proprietário do imóvel onde se encontrava a carvoaria visitada pelos fiscais e, com quem, a recorrente firmou contrato de compra e venda de carvão vegetal, sendo certo que o Sr. Beto sempre foi o gerente ou administrador/procurador do Sr. Gilson, dele recebendo salário de R$1.000,00 (hum mil reais) por mês.
Diz, também, a recorrente, que jamais promoveu o controle administrativo e contábil da produção dos produtores de carvão, ressaltando que o controle que exerce diz respeito apenas à quantidade de carvão para proceder ao respectivo pagamento. Alega que o MM juízo de origem não poderia firmar seu posicionamento sob a alegação de que o fornecimento de carvão era exclusivo à recorrente pelo produtor. E, mais que não tem contrato com qualquer escritório de contabilidade para pagamento de FGTS e INSS dos trabalhadores das carvoarias e nem a produção de carvão era sua atividade-fim, pelo que esclarece que a sua atividade-fim é a produção do ferro gusa que, como produto final, leva na sua composição, vários elementos, dentre eles, o carvão vegetal, no percentual de 60%, havendo, assim, uma relação de cunho comercial.
Prossegue em suas alegações fazendo comparações entre empresas produtoras e seus fornecedores de matéria prima. Afirma que não havia intermediação de mão-de-obra, nos termos do que dispõe a Súmula n. 331, do C. TST, rechaçando os fundamentos do MM juízo de origem de que houve a contratação fraudulenta com o objetivo de burlar as leis trabalhistas, concluindo que o Poder Público, através das autoridades competentes, pelo meio próprio e com a apuração das investigações conduzidas pelo Ministério Público Federal, já delineou e conceituou, de forma clara, as relações entre as siderúrgicas e seus fornecedores de carvão como operações de compra e venda, onde inexiste a relação de emprego entre os trabalhadores e as referidas siderúrgicas.
Assevera ser absurda a conclusão dos fiscais ao lavrarem os Autos de Infração, de que os trabalhadores encontrados nos locais de produção de carvão vegetal, sem qualquer prova inequívoca da relação de emprego, foram considerados empregados da ora recorrente pelo simples fato de haverem dito que para ela prestavam serviços.
Finalmente, observa que as CTPS dos trabalhadores encontrados na carvoaria, estavam assinadas pelo dono da mesma, o que deveria ser levado em consideração pelos fiscais por ocasião da lavratura dos Autos de Infração, por ser prova da relação de emprego, cujas anotações no referido documento geram presunção juris tantum e, ainda, destaca o disposto no art. 334, IV, do CPC.
Assim, requer a recorrente seja considerada apenas como compradora de carvão vegetal da carvoaria do Sr. Gilson/Beto, reconhecendo os trabalhadores substituídos como reais empregados do Sr. Gilson Rocha de Almeida. Analisemos.
Entendo que, do conjunto probatório existente nos autos, não restou comprovada a tese da reclamada, no sentido de que a relação de emprego dos substituídos deveria ser declarada com os produtores de carvão. A hipótese dos autos, trata, claramente, do inciso I, da Súmula n. 331, do C. TST, que assim dispõe:
331 – Contrato de prestação de serviços. Legalidade (Revisão da Súmula nº 256 – Res. 23/1993, DJ 21.12.1993. Inciso IV alterado pela Res. 96/2000, DJ 18.09.2000)
I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando- se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974). (destacamos)
II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993).
Com base nesta Súmula e, considerando os demais elementos dos autos, restou cristalino que a relação de emprego deve ser com a SIMASA, na medida em que a mesma contratou empresa interposta, o que, além de ser considerado ilícito pelo ordenamento jurídico pátrio, faz valer a relação com o tomador de serviço.
Neste diapasão, deve-se ressaltar um princípio relevante que norteia o Direito do Trabalho, qual seja, o da primazia da realidade, que busca a essência das relações, independentemente dos rótulos e das máscaras das formas, do que diz ser e, assim, visando o cerne do processo, para trazer à tona o que se esconde por trás das aparências, em busca da transparência, da face real, do que é em verdade, o que faz cair por terra a s anotações na CTPS dos trabalhadores, cuja presunção de veracidade é juris tantum, o que implica em aceitar prova em contrário.
Compulsando os autos, chega-se à conclusão de que a relação da recorrente com a carvoaria era mediante empresa interposta, o que é vedado, porquanto a produção do carvão vegetal pelos donos das carvoarias, nada mais é do que atividade-fim da SIMASA, que não esconde a necessidade de obter carvão vegetal de seus fornecedores para a produção permanente de ferro gusa, e que esse fornecimento chega a 60% do custo de produção do ferro.
Não esconde, também, a recorrente, o grande interesse em patrocinar a construção de fornos, alojamentos para os trabalhadores, fornecendo, até mesmo, equipamento de proteção individual, chegando a fiscalizar o trabalho nesses carvoarias.
Tem-se mesmo que seguir os caminhos da r. sentença, que muito bem analisou o caso dos autos à luz da lei e das provas colhidas, fazendo destaque aos depoimentos de fls. 47-48, onde se evidencia toda a ingerência que a recorrente tinha em relação às carvoarias, sendo certo que o carvão vegetal produzido nessas carvoarias são fundamentais para a sua produção, tendo até mesmo o controle de qualidade por conta da SIMASA.
Ressalte-se, também os depoimentos constantes das fls. 38-39, onde o terceiro requerido, Sr. Roberto Cardoso da Silva, afirma que a produção do carvão era exclusiva da SIMASA e, ainda, que a carvoaria era fiscalizada pelo Sr. José Maria, da SIMASA, o qual verifica as condições de trabalho dos trabalhadores, desde o registro à segurança dos mesmos, como a utilização dos EPI’s, a situação dos alojamentos, fazendo, também, a limitação dos trabalhadores em relação ao número de fornos, não autorizando o registro de mais trabalhadores além do permitido.
Há de se destacar, ainda, o que disse o terceiro requerido (fl. 40): …que a SIMASA retém R$4,50 por metro cúbico de carvão para efetuar o pagamento do 13º salário, INSS e FGTS dos trabalhadores; que os valores dos salários dos trabalhadores da carvoaria, para fim de anotação na CTPS, é fixado segundo uma tabela produzida pela SIMASA; que, em média, seu rendimento líquido na carvoaria gira em torno de R$1.000,00 (hum mil reais); que não possui outras fontes de renda, além da carvoaria; que o todo patrimônio do declarante se resume a uma pequena casa que possui em Itinga, PA., no valor de R$2.000,00 (dois mil reais); que não possui nenhum veículo…
O próprio motorista que transportava o carvão produzido para a SIMASA, Sr. Lidiomar Dias de Almeida, quando prestou declarações ao Órgão Ministerial, assim declarou (fl. 41): …que transporta toda a produção da carvoaria de ROBERTO, em média 06 gaiolas de 60 metros cúbicos por mês, EXCLUSIVAMENTE para a SIMASA; que o carvão custa, na carvoaria, R$30,00 o metro cúbico e, na SIDERÚRGICA, R$62,00 o metro cúbico; que a produção e o frete são acertados pela Siderúrgica duas vezes na semana; que as notas fiscais do carvão vendido são emitidas para a SIDERÚRGICA; que a SIMASA mantém um fiscal frequentando constantemente a carvoaria de ROBERTO; que o fiscal atual é o Sr. JOSÉ MARIA, mas deverá ser substituído por RICARDO; que toda a documentação dos trabalhadores da carvoaria, inclusive registro de empregados, é feita por escritório da SIMASA, em Dom Eliseu (Escritório Sigma); que os valores referentes ao FGTS e ao INSS dos trabalhadores da carvoaria são descontados pela SIMASA, que faz os recolhimentos devidos…
Diante das declarações acima, dos relatórios dos auditores fiscais, autos de infração, termos de declarações, depoimentos e verificação física, fotos e ainda termo de inspeção judicial, restou evidente que os trabalhadores da carvoaria estavam diretamente subordinados à Siderúrgica SIMASA, porquanto a sua ingerência na mesma se dava na ordem de verdadeira administração no processo de produção do carvão vegetal, interferindo desde o registro do trabalhador até a fixação do valor do salário, sendo certo que havia a intermediação pelo 3º requerido, Sr. Roberto Cardoso, que era quem ficava à frente da carvoaria como empregador e dono.
O fato da produção ser de exclusividade da recorrente é fundamental para o reconhecimento de que a hipótese que se examina é de empresa interposta, em verdadeira fraude e burla aos direitos trabalhistas e, essa exclusividade ficou comprovada não só pelas declarações antes mencionadas, mas também pelos instrumentos particulares de fornecimento de carvão vegetal de compra e venda (fls. 51-55 e 313-317).
Não poderia deixar de ressaltar o que assinalou o MM juízo a quo, no sentido de que o carvão vegetal não é somente uma matéria prima que a recorrente utiliza para a produção de energia, mas também como uma mistura na produção da matéria prima que a mesma tem como principal produto, qual seja, o ferro gusa, porquanto executa atividade no ramo da siderurgia.
Elas, as siderúrgicas, necessitam do carvão para continuar funcionando. Logo, não há como acolher a tese da reclamada de que não era ela a verdadeira empregadora dos trabalhadores das carvoarias, pois, como restou patente nos autos, os pseudo-empresários apenas faziam a intermediação entre a recorrente e a carvoaria, sendo certo que estas realizavam atividade-fim da reclamada na qualidade de siderúrgica, caracterizando a empresa interposta, nos termos do inciso I, da Súmula n. 331, do C. TST, do que resulta no reconhecimento do vínculo dos trabalhadores da carvoaria com a tomadora, isto é, a própria recorrente, haja vista que presentes os elementos configuradores para tal, a teor dos arts. 2º e 3º, ambos da CLT, sendo certo que o trabalhador de uma carvoaria está totalmente inserido na atividade-fim da siderúrgica.
Quanto à aplicação analógica do TAC – Termo de Ajuste de Conduta do Maranhão assinado perante o Ministério Público da 16ª região e algumas siderúrgicas atuantes naquele Estado, dentre as quais, a própria recorrente, entendo não ser possível, em face do princípio institucional e constitucional da independência funcional, bem como, pelo fato do referido TAC não cumprir o seu objetivo maior, que é o de proteger e assegurar a dignidade dos trabalhadores de carvoarias, os quais sobrevivem em condições precárias e aviltantes.
Nesse passo, abro um parêntese aqui para dizer que o TAC do Maranhão, pelo que se depreende do mesmo, ao contrário do que afirma a recorrente, demonstra, por si só, que o vínculo entre as siderúrgicas e as carvoarias é bastante estreito, no que diz respeito à produção do carvão vegetal, verificando-se, assim, que não se trata de simples oferta e procura na aquisição da matéria-prima, atrelado a uma atividade mercantil. E, mais, a vinculação chega a ponto das siderúrgicas assumirem, em caso de inadimplemento das obrigações trabalhistas, a responsabilidade subsidiária.
Por tais fundamentos, mantenho a r. sentença. Ante todo o exposto e em conclusão, conheço do recurso ordinário, rejeito as questões preliminares de ilegitimidade ativa do Ministério Público do Trabalho, de ilegitimidade passiva ad causam e de inépcia da inicial, à falta de amparo legal: no mérito, nego-lhe provimento, para manter a r. decisão recorrida em todos os seus termos, inclusive quanto às custas processuais, tudo conforme os fundamentos.
3. CONCLUSÃO
ISTO POSTO, ACORDAM OS DESEMBARGADORES DA QUARTA TURMA DO EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA OITAVA REGIÃO, UNANIMEMENTE, EM CONHECER DO RECURSO ORDINÁRIO E REJEITAR AS QUESTÕES PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM E DE INÉPCIA DA INICIAL, À FALTA DE AMPARO LEGAL: NO MÉRITO, SEM DIVERGÊNCIA, EM NEGAR-LHE PROVIMENTO, PARA MANTER A R. DECISÃO RECORRIDA EM TODOS OS SEUS TERMOS, INCLUSIVE QUANTO ÀS CUSTAS PROCESSUAIS, TUDO CONFORME OS FUNDAMENTOS.
Sala de Sessões da Quarta Turma do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da Oitava
Região. Belém, 28 de agosto de 2007.
Ministério do Trabalho e Emprego