Redução do Intervalo para repouso e alimentação
Vilma Dias Bernardes Gil
AFT aposentada-SP/Advogada/Consultora Trabalhista
Professora da universidade Mackenzie
Como se sabe, o ex-ministro Luiz Marinho, no último dia de seu mandato, assinou a Portaria nº 42, de 28.03.2007, publicada no DOU de 30.03.2007, disciplinando os requisitos para a redução de intervalo intrajornada, restando revogada aquela que anteriormente cuidava do assunto – Portaria nº 3.116, de 03.04.1989.
A nova Portaria, contudo, fere frontalmente o ordenamento jurídico. Primeiramente, porque extrapola os limites de sua atuação, conflitando com o próprio texto legal que pretende disciplinar.
Segundo, porque inverte a ordem constitucional para submeter interesse público, calcado no princípio da dignidade humana, aos interesses de um grupo ou coletividade dentro da sociedade como um todo.
Com efeito, sob o aspecto formal, a indigitada Portaria desafia o artigo 87, par. único, inciso II, do texto constitucional, in verbis:
“Art. 87. Os Ministros de Estado serão escolhidos dentre brasileiros maiores de vinte e um anos e no exercício dos direitos políticos.
Parágrafo único. Compete ao Ministro de Estado, além de outras atribuições estabelecidas nesta Constituição e na lei:
II – expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos;
…….” (grifos nossos).
Como se observa, a Portaria deve restringir-se a expedir instruções para a execução de leis, como no caso em tela, em que pretendeu o Sr. Ministro expedir instruções para a execução do artigo 71, § 3º, da CLT, segundo o qual,
“§ 3º O limite mínimo de uma hora para repouso ou refeição poderá ser reduzido por ato do Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, quando ouvido o Serviço de Alimentação de Previdência Social, se verificar que o estabelecimento atende integralmente às exigências concernentes à organização dos refeitórios, e quando os respectivos empregados não estiverem sob regime de trabalho prorrogado a horas suplementares……..”
Ocorre que, ao dispor sobre o assunto, o Ministro acabou por transferir aos sindicatos, indevidamente, a competência que lhe foi outorgada pelo legislador para aquela autorização.
De fato, o texto consolidado atribui ao Ministério do Trabalho, na pessoa de seu representante maior, a competência para conceder autorização no caso mencionado. Nesse sentido, considerando a necessidade de descentralizar as decisões relativas a esses pedidos e levando em conta o fato de que as DRTs, por estarem situadas mais próximas das situações e pessoas envolvidas, proporcionariam maior rapidez e objetividade nessas decisões, o então Ministro, por meio da Portaria 3.116/89, delegou, privativamente, aos Delegados Regionais do Trabalho, aquela competência descrita no artigo 71 referido.
A decisão, contudo, permanecia no campo da autoridade administrativa que, no exercício do poder de polícia, atividade fim do Estado, funda sua atuação na natureza dos valores protegidos pela norma, quais sejam, a vida, a saúde, a integridade física e mental do trabalhador – considerados de interesse público.
Ao transferir a competência para decidir sobre os pedidos de redução do intervalo para as organizações sindicais, a Portaria atual – 42/2007, transmuda a natureza desses valores, submetendo-os aos interesses de um grupo e não de toda a sociedade, como amplamente se reconhece.
Ainda que a Constituição Federal reconheça as convenções e acordos coletivos (artigo 7º, XXVI, da CF/88), esses instrumentos não podem sobrepor-se às normas de ordem pública, cogentes, imperativas, indisponíveis, como são aquelas voltadas à proteção da saúde do trabalhador, decorrentes do princípio da dignidade humana.
Esse é entendimento firmado também pela Justiça do Trabalho, como se observa da Orientação Jurisprudencial nº 342 da SBDI-1:
“INTERVALO INTRAJORNADA PARA REPOUSO E ALIMENTAÇÃO.NÃO CONCESSÃO OU REDUÇÃO. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. VALIDADE. DJ 22.06.04. É inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71 da CLT e art. 7º, XXII, da CF/1988), infenso à negociação coletiva.”
Esse posição foi reiterada no ano passado pela 2ª Turma do TST, no Processo RR 37758/2002-900-02-00.6. Segundo o relator do recurso, Ministro José Simpliciano Fernandes, a redução do intervalo para refeição é inadmissível, mesmo quando determinado em acordo coletivo. Ao reformar decisão do TRT paulista, que reconhecia a validade do acordo para esse fim, o TST esclareceu que tal decisão violaria o artigo 71, § 3º, da CLT, o qual determina que o limite mínimo para repouso e alimentação é de uma hora. Reiterando a Orientação Jurisprudencial, o TST esclareceu, no caso concreto, que o intervalo constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (artigo 71 da CLT e artigo 7º, XXII da Constituição Federal), não podendo ser objeto de negociação coletiva.
Por outro lado, não se pode olvidar que, nas questões que envolvem as relações de trabalho, a manifestação do trabalhador, assim como a do empregador, é fundamental. Trata-se de democratizar essas relações, garantindo ampla participação dos atores sociais nas questões que lhe dizem respeito.
Por essa razão, pela Portaria anterior, além de comprovar o atendimento dos requisitos estabelecidos na CLT para a redução – quais sejam refeitório e não prorrogação de jornada – a empresa deveria instruir seu pedido, entre outros elementos, com acordo coletivo de trabalho ou anuência expressa de seus empregados, manifestada com a assistência da respectiva entidade sindical.
À Delegacia Regional do Trabalho cabia inspecionar a empresa requerente, de forma que a autorização somente seria concedida se não fosse constatada irregularidade quanto às normas de proteção, saúde e segurança do trabalho.
Além disso, as autorizações seriam concedidas pelo prazo de 02 (dois) anos, renováveis por igual período, dependendo de novo pedido a ser formalizado 03 (três) meses antes do término da autorização, observados os requisitos inicialmente exigidos, além da apresentação de relatório médico resultante do programa de acompanhamento da saúde dos trabalhadores submetidos à redução do intervalo.
De acordo com a Portaria nº 42/2007, a redução do intervalo não depende mais de autorização da autoridade, bastando para tanto a realização de convenção ou acordo coletivo, que conterá cláusula que especifique as condições de repouso e alimentação que serão garantidas aos empregados, vedada a indenização ou supressão total do período.
À fiscalização restou a atribuição de verificar as condições em que o trabalho é exercido, em especial sob o aspecto da saúde e segurança, devendo adotar as medidas legais pertinentes a cada situação encontrada.
Ao violar a CLT e a própria Constituição, a Portaria 42/2007 não encontra fundamento de validade no ordenamento jurídico, não se sustentando, pois, no campo do Direito.
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Opinião sobre Redução de Intervalo de Almoço
(colaboração do AFT Celso Almeida Haddad – Chefe de SEGUR/DRT/SP)
Teresinha Aparecida Dias Ramos
Auditora Fiscal do Trabalho
A despeito dos acordos coletivos e inclusive da portaria 3116/89 que regulamenta a redução do intervalo de almoço para muitos trabalhadores em várias inserções da indústria e do mundo do trabalho em geral e, não obstante devamos reconhecer que os interesses entre trabalhadores e empregadores devam ser mediados por nossa Instituição, e não contrariados por ela e, ainda a despeito de reconhecermos o incremento de vínculos empregatícios que a redução do intervalo possa gerar, faz-se necessário, no meu entendimento, uma reflexão sobre possíveis alterações na saúde do trabalhador submetido, normalmente com o seu aval, a esta mudança de horário.
Desnecessário é discorrer longamente sobre o tema “Fisiologia da Digestão”, uma vez que a literatura médica, em seus tratados científicos clássicos está repleta de textos científicos elucidativos. Entretanto, dado o número expressivo de doenças digestivas, geradas pelo stress, tanto no ambiente social, como no ocupacional, o tema é sempre presente em artigos de publicação científica ou de educação para leigos.
Partindo deste ponto, vale a pena recordar que a refeição não é, pura e simplesmente, um ato mecânico de levar o alimento à boca, mastigá-lo, com considerável rapidez e, inopinadamente, retornar ao trabalho, o que ocorre com o trabalhador com horário reduzido para refeição. Lembremos ainda que, em algumas situações, o trabalhador não vai ao refeitório com as roupas de trabalho e, se mesmo assim for, deve, antes de se dirigir ao refeitório (onde, normalmente, há uma fila) bater seu cartão e daí dirigir-se ao recinto onde deverá tomar sua refeição.
Particularmente, não acredito que trinta minutos para refeição, como a maioria das petições protocoladas em nossa Instituição, sejam suficientes para que o trabalhador se dirija ao refeitório, aprecie o alimento, desperte o sistema nervoso para o processo digestivo através das funções neuro-sensoriais do olfato e da visão, escolha, quando possível, dos alimentos oferecidos, os que mais o atraia, mastigue-os cuidadosamente, “até bebê-los” (parafraseando Ghandi) ingira-os e acomode-se, por instantes num contato social com os colegas, muitas vezes possível apenas neste intervalo e faça o caminho de volta, batendo, outra vez, o seu ponto e retorne, sem nenhum prejuízo ao seu aparato orgânico, ao seu posto de trabalho.
Algumas considerações apenas sobre a refeição propriamente dita, deixando de lado o tempo de ir e retornar ao refeitório, serão suficientes para que se verifique a exigüidade do tempo proposto para as refeições.
Escolhido o prato, o trabalhador inicia o processo da digestão, logo com a mastigação, onde alimentos como os carboidratos são pré-digeridos sob ação enzimática. Outras classes de alimentos, embora não sofram ação direta da amilase, no processo digestivo, também são beneficiadas, pela mastigação eficiente, uma vez que estes alimentos chegam ao estômago triturados, facilitando o trabalho do suco gástrico, pois a superfície de contato é maior e a digestão estará facilitada, evitando sonolência, dispepsia e refluxo gastro-esofágico. Além disso, o centro de saciedade é estimulado através de uma adequada mastigação, controlando a quantidade de ingesta de alimentos, desfavorecendo a instalação de sobrepeso e até obesidade nos indivíduos. Pessoas que têm preferências por doces, chocolates e outras fontes de alimentos altamente energéticos, que engordam sobremaneira, poderão controlar a quantidade de ingesta destes alimentos, através de uma mastigação eficiente.
Bons hábitos, na hora da refeição, como soltar o garfo e a faca entre cada garfada, prolongando a mastigação, induzem à saciedade de modo adequado, segundo a Sociedade Brasileira de Alimentos Funcionais
Não havendo, pois, o tempo disponível para uma adequada mastigação, fica o trabalhador sujeito a uma série de distúrbios digestivos, como anteriormente mencionado, temas que superlotam os congressos mundiais em gastroenterologia, endocrinologia e psiquiatria.
Estão reunidos desde 15 de novembro até hoje, em Istambul, Turquia, 48 ministros da saúde da Europa, para abordar o tema “obesidade”, crescente em todo o mundo. Parece sensato verificar que o sobrepeso e a obesidade, podendo advir de erros alimentares e formas de ingestão, deverão ser objeto da ação dos organismos que controlam a Saúde Pública em nosso país e também do Ministério do Trabalho e Emprego, uma vez que a organização do trabalho pode levar o trabalhador a esses males.
Parece relevante o fato de o trabalhador permanecer toda sua jornada de trabalho em sua atividade laboral, com tempo exíguo para tomar sua refeição, sem a possibilidade de contatar os colegas, num convívio social salubre e é importante ressaltar que, manifestações como obstipação, síndromes diarréicas e úlceras gastro-duodenais, situam-se entre os tópicos mais apontados em patologias associadas à sobrecarga de estresse ocupacional.
A questão enfocada pela portaria supra mencionada, que condiciona a anuência por parte do MTE, a redução do intervalo para almoço ao cumprimento integral de todas as normas regulamentadoras vigentes da Portaria 3214/78 e à não realização de horas-extras pelos funcionários, submetidos àquele horário reduzido, não enfraquecem sob a nossa óptica os fatores que poderão levar ao adoecimento do trabalhador.
É o nosso parecer.
São Paulo, 17 de novembro de 2006.
Acrescentaria que o interessante seria utilizar a tabela de metabolismo existente na NR-15 onde não se admitiria redução do horário de almoço a partir da combinação de fatores contidos nesta tabela.