ANUNCIADA REVISÃO DAS NR

As palavras do Secretário Especial de Previdência e Trabalho divulgadas na imprensa, anunciando a revisão de NRs com redução significativa de itens tem criado incertezas e apreensão no meio de SST. Contudo é preciso ter muita compreensão e calma neste momento de transição governamental, entender a lógica das proposições, buscar o diálogo e, especialmente, contribuir com propostas e sugestões para a simplificação e desburocratização do país, metas necessárias anunciadas pelo novo governo para facilitar empreendedores e atrair novas empresas de capital interno e externo de forma a reduzir o desemprego e fortalecer a retomada e aceleração da economia.

Entretanto não podemos deixar de comentar as palavras do Secretário Especial de Previdência e Trabalho, apresentando a intensão de revisão abrupta das NR  com uma lógica míope focada na recuperação econômica e produção de empregos, sem considerar o trabalhador como peça principal. O diálogo e o oferecimento do contraditório o conduzirá a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho a entender que a ausência ou fragilização da regulamentação básica em SST – NR e da auditoria fiscal do Trabalho trarão:

  • a precarização dos ambientes de trabalho promovendo o aumento de acidentes e doenças;
  • produção de uma multidão de viúvas e um exército de mutilados e doentes, como vimos nos anos 70;
  • o desalinhamento dos empresários, promovendo a concorrência desleal e o aumento da insegurança jurídica;
  • A deterioração da imagem das empresas perante seus colaboradores e consumidores e do Brasil com o mundo, diante do trabalho precário, inseguro ou sub-humano praticado;

E pior, o esvaziamento das NR´s além das consequências gravíssimas aos trabalhadores e suas famílias, à qualidade e produtividade nas empresas, também resultará em sérios prejuízos à nação e grande parte desses prejuízos recairá justamente nos já combalidos recursos do sistema previdenciário nacional, destinado ao custeio e pagamento de pensões, aposentadorias por invalidez, por doenças ocupacionais e por afastamentos ao trabalho.

As Normas Regulamentadores de Saúde e Segurança no trabalho são uma conquista da sociedade e um desejo de trabalhadores, empresários e governo para a promoção de um desenvolvimento autossustentável do trabalho calcado em segurança e saúde no trabalho e não pode ser tratada como obstáculo da retomada econômica e tão pouco como inimiga do desenvolvimento da nação. Todos devem trabalhar na redução desse antagonismo insano entre capital e trabalho  e colaborar na construção de um ambiente econômico mais amigável e progressista entre essas parte, sem prejuízo de SST. E que gastos com SST,  se bem aplicados, representam investimentos, pois reduzem perdas, melhoram a qualidade, aumentam a produtividade e, ainda melhoram a imagem interna e externa da empresa e do país.

Por outro lado estamos diante da oportunidade de apresentar ao governo as críticas, as sugestões de enxugamento e melhoria das NRs, feitas de longa data pelas entidades, trabalhadores e empresas.  Agora é a vez e a hora de simplificar e otimizar as NRs mostrando ao governo as oportunidades de correção de suas inconsistências, desajustes, redundâncias, falta de clareza, sem contudo reduzir ou precarizar seu valor à segurança e saúde do trabalhador.  Ao invés de amaldiçoar a escuridão vamos participar nas regulamentações que serão colocadas em consulta pública no mês de julho/19,  conforme quadro abaixo:

 

jul/19 NR4 – SESMT
NR5 – CIPA
NR18 – Construção civil
ago/19 NR7 – PCMSO
NR9 – PPRA
NR17 – Ergonomia
out/19 NR10 – Instalações elétricas
NR31 – Rural
nov/19 NR29 – Portuário
NR30 – Aquaviário
NR32 – Serviços de Saúde

Cabe lembrar que 28 Normas Regulamentadoras foram criadas em 1978 para enfrentar o elevadíssimo número de acidentes e doenças no trabalho, consequência de ambientes de trabalho precários e de condições sub-humanas existentes nas empresas à época.

Hoje, as 37 Normas regulamentadoras existentes, são um marco técnico regulatório em SST que suportam e organizam a melhoria dos ambientes de trabalho e promovem a redução de mortes, doenças e acidentes dos trabalhadores.

Ainda as NR são necessárias para atender as Convenções da Organização Internacional do Trabalho – OIT ratificadas pelo Brasil, em especial as convenções:

Convenção: 81 – Inspeção do Trabalho na Indústria e no Comércio  – Ratificação Brasil: 11/10/1989;

Convenção: 115 – Proteção Contra as Radiações – Ratificação Brasil: 05/09/1966
Convenção: 119 – Proteção das Máquinas  – Ratificação Brasil: 16/04/1992.;

Convenção: 127 – Peso Máximo das Cargas   – Ratificação Brasil: 21/08/1970;
Convenção: 134- Prevenção de Acidentes do Trabalho dos Marítimos – Ratificação Brasil: 25/07/1996;

Convenção: 136- Proteção Contra os Riscos da Intoxicação pelo Benzeno – Ratificação Brasil: 24/03/1993
Convenção: 137- Trabalho Portuário – Ratificação Brasil: 12/08/1994;

Convenção: 139- Prevenção e Controle de Riscos Profissionais Causados por Substâncias ou Agentes Cancerígenos  – Ratificação Brasil: 27/06/1990;

Convenção: 148 – Contaminação do Ar, Ruído e Vibrações  – Ratificação Brasil: 14/01/1982
Convenção: 152 – Segurança e Higiene dos Trabalhos Portuários  -Ratificação Brasil: 18/05/1990
Convenção: 155 – Segurança e Saúde dos Trabalhadores  – Ratificação Brasil: 18/05/1992;

Convenção: 162 – Utilização do Amianto com Segurança  – Ratificação Brasil: 18/05/1990
Convenção: 167 -Sobre a Segurança e Saúde na Construção  – Ratificação Brasil: 19/05/2006
Convenção: 170 – Segurança no Trabalho com Produtos Químicos  – Ratificação Brasil: 23/12/1996
Convenção: 176 – Sobre segurança e saúde nas minas – Ratificação Brasil: 18/05/2006

Outro ponto importante a ser comentado nesse processo de revisão das NR é o curto espaço de tempo programado. Lembramos que o procedimento de criação ou a revisão de uma Norma Regulamentadora tem diversos estágios e mecanismos organizacionais e sociais antes da aprovação final pelo extinto Ministério do Trabalho, ora no Ministério da Economia.

Passa pela formação do grupo interno ao Ministério do Trabalho, via de regra formado por Auditores Fiscais do Trabalho com expertise no assunto base da NR, que irá  estudar as demandas, propor, discutir e aprovar um texto técnico básico (“borrador”), ou seja, uma base contendo o conteúdo da nova norma ou os itens da revisão. Esse texto é então enviado para consulta pública, aguarda cerca de 60 a 90 dias para receber contribuições da sociedade. Após essa etapa é constituída pela SIT uma comissão tripartite paritária, representada pelo Governo, Trabalhadores e Empregadores,  que via de regra segue o modelo abaixo:

Nº de Representantes Base Representativa Indicação
5 governo Ministério do trabalho (DSST), Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina no Trabalho – FUNDACENTRO e outros Órgãos governamentais de interesse da matéria em pauta.
5 Empregadores Confederação Nacional do Comércio – CNC, Confederação Nacional das Indústrias – CNI, Confederação Nacional dos Transportes – CNT, Confederação Nacional das Instituições Financeiras – CNF e Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA.
5 Trabalhadores Indicados de comum acordo entre a Central Única dos Trabalhadores – CUT, União Geral dos Trabalhadores – UGT e Força Sindical.

A Comissão Técnica Tripartite, sempre coordenada por um membro representante do Ministério do trabalho, delibera em reuniões periódicas sobre o texto técnico básico e todas as contribuições oferecidas na consulta pública de inovação,  supressão ou alteração de itens, até a aprovação final de todo o conteúdo. Uma vez aprovado e finalizado na CTT é submetido a SIT e a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho (antigo Ministro do Trabalho) para aprovação final e publicação.

O tempo de criação/revisão de uma NR varia muito em função da complexidade da criação ou da revisão. Contudo com certa margem de erro podemos afirmar que a criação demora em média de 2 a 4 anos e a revisão poderá demorar de meses a anos.

Se desconhece a profundidade e a direção que o Governo pretende nessas revisões, porém uma análise superficial ao cronograma proposto revela a impossibilidade de conclusão em 6 ou 1 ano.

Isso só seria possível se considerarmos que as pretensas revisões atenderão tão somente a ajustes de itens redundantes, simplificação semântica e enxugamento do ementário (itenização e gradação de infrações), e mediante a alteração dos procedimentos regulamentados para a revisão de NR´s,  citados anteriormente, com a designação de grande parte do corpo da auditoria fiscal, reservando-lhes dedicação exclusiva para tal, somando-se a isso uma vontade e força hercúlea desses profissionais, então seria possível praticar o cronograma anunciado.

Contudo o corpo da SIT do antigo Ministério do Trabalho, hoje uma Subsecretaria do Ministério da Economia, conta atualmente com poucos profissionais Auditores Fiscais do Trabalho – AFT, condutores naturais dessas revisões. Ressalto que em 1996, quando a população economicamente ativa – PEA, era cerca de 75 milhões, o número de AFT era de 3.482. Hoje quando a PEA atinge cerca de 110 milhões, o número de AFT é de cerca de 2.100 para  exercer o atendimento de todas as demandas trabalhistas encaminhadas por entidades sindicais, pelo Ministério Público do Trabalho, por denúncias da sociedade, pela Justiça do Trabalho, homologações trabalhistas, elaboração de análises de acidentes no trabalho para instrução aos processos de “ação regressiva do INSS”, fazer o atendimento ao público em geral, tudo isso abrangendo todo o território do Brasil….

Devo lembrar que as primeiras 28 Normas Regulamentadoras, publicadas em 1978 através da Portaria 3.214, foram elaboradas pela Fundacentro com base em grande parte na consolidação de regulamentos de Segurança e Medicina já existentes anteriormente, tendo sido iniciadas com a  Portaria n.º 3237, de 1972, que fazia parte do Plano de Valorização do Trabalhador” do Governo Federal, que tornou obrigatória a existência de serviços de medicina do trabalho e engenharia de segurança do trabalho nas empresas. Então de 1972 a 1978 transcorreram 6 anos só para se consolidar alguns regulamentos existentes e se criar algumas normas.

As pretensas revisões das NR não poderão abrir mão de análises técnicas; de envolvimento dos Auditores Fiscais do Trabalho; de razoabilidade de tempo, de consultas públicas; da discussão e aprovação tripartite, para então serem validadas pela sociedade técnica e, principalmente, acreditada por Trabalhadores,  Empresários e o próprio Governo.

Diante desses fatos entendo quase impossível se fazer uma revisão profunda, consciente e simplificatória, que mantenha e aprimore a qualidade da segurança e saúde no trabalho e promova melhoria no ambiente econômico sem prejuízo à organização e proteção do trabalho e à imagem do país, nesse exímio prazo de 6 meses ou até em 1 ano.

J

jOAQUIM G PEREIRA

Eng. Eletricista – Eng. De Produção e Eng. de Segurança no Trabalho;

Auditor Fiscal do Trabalho – Aposentado

Diretor  e Vice-presidente de Segurança do Trabalho do Sindicato dos Auditores Fiscais do Trabalho de São Paulo – SINPAIT

Professor do curso de Engenharia de Segurança do Trabalho.

Consultor  técnico em Engenharia de Segurança no Trabalho.

 

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